A recente crise política em Itália merece uma reflexão atenta, pelo menos, por dois motivos: a crise em si mesma e pelo (novo) papel que Itália terá, inevitavelmente, na União Europeia (UE) no pós-Brexit.

A crise política italiana foi desencadeada por muitos eventos, agudizou-se com o caso Open Arms e foi materializada pela moção de censura, apresentada pelo ministro do Interior Salvini (da Liga, de extrema-direita), que levou o primeiro-ministro Conte a entregar a demissão ao presidente Mattarella. A estratégia de Salvini foi sempre clara: derrubar o governo, provocar eleições e aumentar o seu peso político.

Desta vez, o seu spin doctor Morisi enganou-se e tudo correu mal a Salvini, que não vai integrar o novo governo. Pelo menos para já. Aparentemente, a crise política deveu-se, mais uma vez, aos migrantes que demandam as costas europeias, em particular, Itália, Grécia e Espanha.

A incapacidade da UE em criar medidas eficazes para progressivamente resolver este complexo problema abre um caminho fértil ao populismo. Espera-se que a nova equipa da UE tenha uma visão diferente do problema e que, forçosamente, encontre soluções. O drama humanitário dos migrantes, que procuram a Europa, tem que ir mais além do que os centros de acolhimento. De igual forma, o problema dos migrantes não pode ser deixado para um ou dois países, porque a crise dos migrantes tem de ser um problema de todos.

O problema dos migrantes é serem pobres. Muito pobres, mesmo. Caso pudessem adquirir património imobiliário estariam no perímetro dos vistos dourados e teriam as portas abertas em Portugal e noutros países. O caso Open Arms, um barco com cerca de 100 migrantes, que provocou tensão diplomática entre Madrid e Roma, foi um culminar de acontecimentos que demonstraram que o problema está muito longe de estar resolvido.

A Itália, no pós-Brexit, terá um papel ainda mais importante na UE. No grupo das “grandes” economias, o “peso” da Itália reforçar-se-á. Com a nova equipa da UE e um novo governo em Itália, sem Salvini, estão criadas as condições políticas para uma tentativa de resolução do problema dos migrantes.

Na esplanada de uma cidade banhada pelo Adriático, onde escrevo este artigo, numa tarde quente do final de Agosto, vê-se, numa esquina, à esquerda, a estátua de Júlio César e à direita, a cerca de quatrocentos metros, o Arco de Augusto. Pelo meio, existem acessos às ruinas, no subsolo, e numerosas lojas e esplanadas. Um emigrante africano segue calmamente o seu caminho, carregando sacos, após o seu trabalho, de venda ambulante, e junta-se à mulher com um bebé às costas que, noutra esquina, ganha a vida a fazer tranças.

O problema não está aqui, não são os migrantes que provocaram o défice, nem desfalcaram o sector bancário, nem tornaram a dívida pública italiana numa das maiores do mundo, nem tão pouco tornaram a Itália ingovernável numa sucessão de episódios de instabilidade política. O verdadeiro problema está mais abaixo, está como sempre no invisível. Na “gasolina” que o populismo tem vertido sobre a sociedade.

O populismo alimenta-se do falhanço da sociedade, da demagogia e da injustiça. O populismo nada resolve, apenas potencia o ódio e outros sentimentos que, embora humanos, não são nobres. E quanto mais a sociedade falha, mais o populismo cresce e ganha votos. Já sabemos onde está a “gasolina”. E, também, quem tem o “fósforo”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.