A frase é de Jorge Luís Borges, publicada recentemente no seu livro Sete Noites, editado pela Quetzal. O espaço e o tempo, apesar da possibilidade da sua medição física, constituem dos elementos psicológicos mais prementes e condicionantes do comportamento humano. Na cultura portuguesa, amiúde, se refere a saudade do tempo passado, mas também a saudade do espaço distantes, ou seja, a saudade tem que ver com o estado de alma e com a ausência de um tempo ou espaço de felicidade.

A contemporaneidade tem sido marcada pela voracidade do tempo e o encurtamento do espaço. A velocidade com que recebem notícias de geografias distantes está cunhada no conceito de aldeia global. Mas, em tempos de discursos a apelar para a desglobalização, qual o verdadeiro papel do tempo e do espaço nas nossas vidas quotidianas?

Como entram outras afinidades nos nossos jogos de empatia com outras geografias’ Vemos da mesma maneira todos os conflitos em curso? Consideramos o sofrimento humano universal? Inspiramo-nos no passado para interpretar o presente e compreender as possíveis variantes para o futuro? Qual a nossa relação com a tridimensionalidade do tempo (passado/presente e futuro)?

Na verdade, as nossas interpretações dos factos observados no presente em muito dependem das experiências anteriores e das nossas expetactivas para o agora e o depois. Na literatura, esta teoria foi amplamente dissecada por Hans Robert Jauss e pode ajudar-nos a compreender as nossas reações, não só à estética literária e à receção da literatura, mas também em relação ao mundo e ao que dele se diz. É um facto que as notícias falsas proliferam quando correspondem ao “horizonte de expetativa” (termo cunhado por Hans Robert Jauss) de quem as recebe.

Viajemos, então, no tempo, mas também no espaço.

O crepúsculo

O lento declinar do sol pode metaforicamente ser aplicado a outras situações, tais como a vida humana. Simone Beauvoir usou um título mais poético para o seu livro de despedida de Jean Paul Sartre, A Cerimónia do Adeus, agora editado pela Quetzal, numa tradução de Helena Santos. O livro inicia-se com esta frase: “Este é o primeiro dos meus livros – sem dúvida o único – que vossa não terá lido antes de impresso.” Para além da cumplicidade intelectual e companheirismo, Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre são autores que deixaram livros marcantes numa época de profunda transformação do mundo.

Este livro incide sobre esse período, marcado pelo declínio da saúde de Sartre mas também pelo rescaldo do maio de 68, de toda a agitação social que varria a Europa e pelo nascimento de novos estados. Beauvoir ilustra todo esse turbilhão de manifestações, tensões política nacionais e internacionais através do relato da vida de Sartre. Consciente da sua degradação física, o filósofo não deixa de ser elemento ativo do que considerava ser o seu papel de intelectual, ou seja, Sartre concebera uma ideia de intelectual participativo.

O livro estende-se entre 1970 e 1980, anos em que os vários problemas de saúde de Sartre se agudizaram. Década igualmente marcada por uma agitação social que se alastra a todo o mundo, num confronto ideológico permanente. Temas como a censura, os direitos laborais e a forma de fazer a revolução são constantes no livro, contudo, o foco é deslocado, dando-nos a perspetiva a partir de uma vida que lentamente desvanece, ou seja, de um tempo que se sabe cada vez menor e de um espaço marcado pela instabilidade.

A reflexão

Voltemos a Jorge Luís Borges. No livro anteriormente referido, Sete Noites, que reúne conferências proferidas pelo autor no Teatro Coliseu de Buenos Aires, proferidas em 1977, empreendemos uma viagem por vários temas, alvo da reflexão do autor. De Dante e A Divina Comédia até ao pesadelo, desfiam-se temáticas formativas do pensamento do autor, sobretudo, no que concerne à sua formação estética.

Neste livro, o espaço e o tempo estão sempre presentes, mediando a relação do preletor das conferências com cada um dos temas, mas também mediando a receção que o público tinha dos temas. Pensando no Oriente e Ocidente para o espaço, mas também nos testemunhos literários do passado, no tempo e espaço psicológicos do pesadelo, no tempo e no espaço em que a cegueira encerra o ser humano.

Borges desfila os elementos culturais formadores da sua intelectualidade, mas também os medos e os anseios com que se depara. Para surpresa, ou não, do leitor, esses medos são idênticos aos da maioria dos seus leitores. Neste livro, perpassa, então, esses elementos transversais à humanidade, independentemente do tempo e do espaço. Por muito que sejam diferentes as culturas, as necessidades e receios humanos são muito similares.

Para além da sua bonita prosa, Borges presenteia-nos com momentos de reflexão e até introspeção, e nós, leitores, ora concordando ora discordando, encontramos os momentos necessários para essa operação mental de abrandar o tema e estreitar o espaço.

Tempos conturbados

Esta viagem a autores do passado justifica-se pelo que podemos aprender com eles sobre a sua época e o mundo em que viviam. Acresce a essa possibilidade de aprendizagem, a partilha de experiências como o envelhecimento e a fragilidade física a par de mentes que se mantinham perfeitamente atuantes e pensantes. Saber lidar com estas situações é um dos pilares sociais atuais, dado o rápido envelhecimento das sociedades em que vivemos. Nesse sentido são dois livros muito atuais.

Contudo, não esgotam a sua atualidade nesta questão, a procura de um enquadramento espácio-temporal e a sua compreensão, seja através de reflexões e introspeção, no caso de Borges, ou das experiências política de Sartre.

Repetem-se agora muitos dos desafios dos idos anos 70 do século. É certo que com outros formatos, mas com conteúdos gerais idênticos: competição internacional e propaganda, crise energética entre portas, movimentos sociais de contestação à decisão política e à ordem interna, tentativas de controlo de várias liberdades, entre estas, a de informação e conflitos que perduram no tempo.

Ao que parece cinco gerações não foram o suficiente para mudar o ser humano, apesar de este ter sido protagonista de mudanças incríveis desde então à sua volta. E cabe-nos perguntar, o que mudou mesmo quando hoje tudo fica mais perto e temos consciência que estamos todos interligados, porque dependemos do mesmo planeta para sobrevier e que neste tudo está mais próximo.

Aparentemente, muito pouco.