Portugal e o seu povo comovem-se frequentemente com causas mais ou menos justas, com manobras de propaganda enganosa ou mesmo com frivolidades absolutas.

É muito fácil envolver os portugueses em discussões que viralizam nas redes sociais ou até em manifestações de rua, sobre tudo e coisa nenhuma.

Infelizmente, apesar de toda esse voluntarismo frequentemente histriónico que a caracteriza, revela-se tarefa quase impossível convocar a nação para aquele que deveria ser o seu maior desígnio: a reforma do estado e a libertação da sociedade.

Em Portugal, a Monarquia, a 1ª República e o Estado Novo foram sempre, independentemente de pequenos matizes susceptíveis de os diferenciar entre si, marcados pela vocação estatizante e hegemónica, pelo centralismo asfixiante, por um paternalismo bacoco e por uma irresistível tentação pelo assistencialismo.

Lamentavelmente, a Democracia, ao invés de as tentar eliminar ou pelo menos esbater, tem vindo a acentuar ou mesmo multiplicar todas estas marcas, tendo transformado os portugueses em geral numa multidão de indivíduos temerosos, reverentes, pedinchões e verdadeiramente sequestrados pelo estado.

No dia em que um governo de uma coligação supostamente de centro-direita apresenta mais uma proposta de Lei do Orçamento, impõe-se uma reflexão sobre o tema, denunciando as maleitas e apontando alguns caminhos.

O estado está objectivamente refastelado sobre os cidadãos e as empresas, coartando a iniciativa de uns e outros e impedindo a generalidade das pessoas de pensarem pelas suas cabeças. Um estado obeso e untuoso que interfere em todas as áreas da economia e da sociedade, frustrando quem quer fazer, empreender ou simplesmente sonhar.

Somos o país onde o diálogo social não pode ser feito sem a tutela paternal do estado, estando os representantes de empresas e de trabalhadores absolutamente impedidos de efectuarem acordos bilaterais de concertação social.

Os fundos europeus para suposta convergência da economia portuguesa com as dos Estados-membros mais ricos são sugados pelas instituições públicas, grande parte das vezes para fazerem face a despesas correntes.

Os montantes que deveriam ser investidos em formação profissional nas empresas são sequestrados pelo Ministério da Educação para financiamento da respectiva máquina.

As verbas que deveriam ser canalizadas para inovação, investigação e desenvolvimento são frequentemente absorvidas por universidades e institutos púbicos em detrimento das empresas.

A concorrência empresarial é pervertida por reguladores pouco criteriosos e governos que apadrinham empresas.

A máquina pública desconfia das empresas, quando não as hostiliza de forma ostensiva.

Os poderes estão quase todos concentrados em meia dúzia de hectares em redor do Terreiro do Paço, que funciona como um imenso eucaliptal do país.

Os processos de licenciamento industrial ou ambiental das empresas são gangrenados por burocracias infindáveis, discricionárias e imprevisíveis.

As leis ambientais são complexas e frequentemente indecifráveis, mas não obstante as autoridades inspectivas são totalmente implacáveis na aplicação de coimas e multas a empresas e particulares.

O edifício fiscal é opaco, instável e imprevisível, desde as leis aos tribunais, passando pela voracidade da máquina e pelas incompreensíveis notas interpretativas.

Não existem verdadeiros estímulos ao investimento, nem à capitalização das empresas, não se promovendo minimamente o crescimento e o progresso.

Não é possível conceber-se um incentivo salarial originariamente isento de contribuições e impostos sem que a Autoridade Tributária venha de imediato, de forma arrogante e definitiva, impor uma interpretação restritiva que inviabiliza qualquer tentativa de inovação e criatividade.

Não se saciando com uma rede pública de televisão, o estado faz ainda questão de interferir em inúmeros outros meios de comunicação social, com apoios, subsídios e publicidade.

As empresas e a cada vez mais exígua classe média são asfixiadas por impostos e taxas, de todo o género e feitio.

Em simultâneo, os pobres são subsidiados, os remediados são apoiados e agora até a classe média alta que ganha 6.000 euros líquidos por mês tem apoios públicos se pagar uma renda mensal de 2.300 euros.

Portugal é o país onde a maioria dos seus cidadãos se sente cada vez mais pobre, sem acesso ao consumo, sem possibilidade de poupança e sem ambição de investimento e onde o estado se encontra cada vez mais rico, sendo aliás certo que, em 2025, apesar do alívio nominal em alguns impostos, a receita fiscal aumentou 9%.

Mas é igualmente o país, há que o reconhecer, em que os seus cidadãos se pelam por subsídios e que trocam a autonomia, a ambição e a liberdade pela promessa de um apoio público, de uma comenda ou um prato de lentilhas.

E é ainda um país esquizofrénico em que tudo se faz para aumentar a receita fiscal no sentido de em seguida se distribuir migalhas pelos cidadãos, pelas famílias e pelas empresas de uma forma muito semelhante à caridade. Impõe-se um enorme esforço fiscal a quem cria riqueza, para em seguida se fazer diluir o produto resultante dos impostos de uma forma que não gera valor.

Confesso que já tenho muito poucas ilusões relativamente à proposta de Lei do Orçamento que será apresentada hoje ao país. Na verdade, no que se refere à presença asfixiante do estado nas nossas vidas – que é o principal problema do país -, nas últimas décadas foi sempre a piorar. Por que razão haveria desta vez de ser diferente?

Ainda assim, num exercício teórico e muito pouco esperançoso de que venha a ter adesão à realidade, ouso apontar caminhos de redenção para o país.

A taxa do IRC deve ser reduzida para 15% no espaço de uma legislatura, para estimular o aumento do investimento privado.

É vital que o IRS seja repensado, com redução das taxas e diminuição dos escalões, para que os trabalhadores possam aumentar o seu rendimento líquido.

De uma forma geral, toda a legislação fiscal terá de ser mais previsível, estável e transparente, para que as empresas possam implementar os seus investimentos e operações com a certeza de que as regras do jogo não irão mudar a meio.

Não é admissível que a administração fiscal continue a insistir em litigar com lamentável má-fé, protelando a pendência de processos nos Tribunais Administrativos e Fiscais, não obstante saiba perfeitamente que existe jurisprudência consolidada que dá razão total ao contribuinte.

A legislação laboral terá de ser flexibilizada, ajustando-a às necessidades das empresas modernas e às aspirações das novas gerações, com uma presença menor das autoridades administrativas.

Na concertação social, as confederações de empregadores e as centrais sindicais devem ter a liberdade de ajustar entre si os quadros normativos de uma parte substancial da legislação do trabalho, sem a intervenção obrigatória no processo de um estado que é simultaneamente árbitro, jogador e adepto tendencioso.

Revela-se absolutamente urgente que os processos de licenciamento ambiental sejam drasticamente simplificados e agilizados, reduzindo os ónus e encargos processuais das empresas investidoras e mitigando o poder discricionário da APA – Agência Portuguesa do Ambiente.

Os processos de criação de empresas industriais deverão igualmente ser mais fluentes, perceptíveis e estimulantes para quem deseja investir.

As entidades públicas, desde o IAPMEI à AICEP, passando pelo IEFP, pelo COMPETE ou pela já referida APA, têm de se libertar de funções redundantes, inúteis ou hegemónicas, e concentrar-se em tarefas de valor acrescentado, acelerando os processos e reduzindo substancialmente os tempos de decisão.

Os tribunais têm de ser de uma vez por todas aliviados das bagatelas jurídicas que os entopem.

O estado em todas as suas vertentes deve abster-se de intervir na economia, seja priorizando sectores, seja, mais grave ainda, promovendo e apadrinhando empresas específicas.

A despesa pública tem de ser contida, impedindo-se que apesar das mudanças de governo continue a crescer de forma descontrolada.

Conforme oportunamente anunciado, o número de agências e institutos públicos tem de ser diminuído. Todavia, ao contrário do que já foi indiciado, não faz sentido que as fusões se consolidem dentro da máquina pública, devendo, sim, pelo contrário, estar focadas no serviço à economia e à sociedade. A título de exemplo, a fusão da FCT e da ANI não pode resultar numa nova entidade em que o Ministério da Educação parece ter muito mais peso do que o Ministério da Economia.

A este propósito, a própria Lei Orgânica do Governo carece de alteração urgente, recuperando-se a autonomia de um verdadeiro Ministério da Economia e a criação de uma Secretaria de Estado da Indústria.

O número de trabalhadores públicos deve ser reduzido, ao mesmo tempo em que terá de haver a coragem de aumentar os salários dos que ficarem e nomeadamente dos seus quadros dirigentes.

A voracidade do estado terá de ser corajosamente enfrentada, com critério e razão.

Se o Governo quiser efectivamente proporcionar maior prosperidade aos portugueses, seguirá seguramente nos próximos anos uma estratégia absolutamente inversa àquela que tem norteado a governação durante as duas últimas décadas.

A riqueza apenas será suceptível de ser criada através de investimento em factores que sejam capazes de a multiplicar e disseminar.

Não é possível continuar a insistir num modelo em que, ao invés de criar condições para esse investimento, o estado constrange e assusta os investidores.

Um modelo em que o estado ao invés de potenciar a criação de riqueza, insiste em proclamar que combate a pobreza.

A História ensina-nos que as políticas assistencialistas nunca foram capazes de ter êxito. Ao invés, o assistencialismo não só constrange a criação de riqueza como multiplica o número de pobres.

O que, como é evidente, anestesia os cidadãos e paralisa a economia.