estado de excepção não contempla as nossas necessidades de socializar e de conviver, enquanto sujeitos inseridos numa comunidade política, por corresponder a uma forma de poder excepcional destinada à suspensão de liberdades e de direitos, tal como descrito na obra “Antígona”.

Neste contexto de pandemia, um instituto que seria excepcional e limitado no tempo transformou-se num mecanismo ordinário de regulação. O estado de excepção passou a fazer parte das nossas rotinas como um meio de suspensão das nossas práticas de socialização e de convívio, por ordem dos decisores políticos.

A partir desta experiência colectiva, compreendemos que a necessidade, que constitui um aspecto central da vida política contemporânea, não se afere, nunca, numa perspectiva individual, correspondendo, antes, a um objecto político. Desta forma, os nossos desejos individuais não têm força suficiente para criar uma situação de estado de excepção – mesmo que esses desejos ou vontades correspondam aos desejos ou vontades de todos os cidadãos – porque se trata de um instituto cuja aplicação depende da decisão das autoridades governamentais.

A decretação do estado de excepção é uma faculdade, ao dispor das autoridades políticas, utilizada quando se considera que a ordem estadual pode estar ameaçada. Com base neste entendimento, Carl Schmitt evidencia que o soberano é quem determina o estado de excepção. Ou seja, a decisão de instauração do estado de excepção revela-se como a expressão máxima do poder político e cria problemas jurídicos relacionados com o funcionamento do Estado democrático.

Relativamente ao procedimento de decretação do estado de excepção, relevam as seguintes questões: Todos (ou alguns d)os cidadãos da pólis podem decretar o estado de excepção? Todos (ou alguns d)os deputados com assento numa assembleia podem decretar, por iniciativa própria, o estado de excepção? A resposta é negativa para ambas as perguntas.

Nos regimes democráticos, tal como nos não democráticos, a forma de decretação do estado de excepção não considera a vontade colectiva nem a vontade representativa.  Se os representados e os representantes são incapazes, por vontade própria, de decretar o estado de excepção, como se concebe este tipo de estado numa ordem democrática?

A experiência do Estado nazi demonstrou que autoridades dotadas de legitimidade política e democrática podem fazer uma utilização abusiva de institutos de excepção jurídica. Hoje, esta hipótese assusta os cidadãos submetidos a uma situação de excepcionalidade permanente cujo fim não se avista tão cedo, nomeadamente na Hungria, que faz parte de uma comunidade democrática, a União Europeia. Por isso, situações semelhantes devem merecer um escrutínio por parte da imprensa internacional e uma vigilância sistemática e permanente dos representados.

Não devemos esquecer nunca que o estado de excepção impõe-se sob a forma de decreto, sem qualquer tipo de consentimento popular. Por isso, a observância dos procedimentos de decretação previstos nos vários textos constitucionais não transforma este instituto num mecanismo democrático. Assegurando-se, apenas, a sua consagração jurídico-legal e a sua aceitação generalizada nos regimes democráticos, conforme alertou o filósofo Giorgio Agamben, na sua obra “Estado de Excepção”.

Portanto, a essência do estado de excepção não se modifica pela sua decretação legal ou arbitrária, visto que em ambas as situações não releva a intervenção do (supostosoberano, o povo. Por isso, é na excepção que se revela o verdadeiro soberano, já escrevia Carl Schmitt.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.