Este texto é sobre a situação da Inapa. Mas quero começar por afirmar dois princípios básicos para os investidores em ações:

 – Os investimentos em ações têm risco e é sempre possível – e até expectável – que algumas empresas das quais somos acionistas falhem completamente e essas ações venham a valer zero;

 – A diversificação como estratégia de mitigação do risco é essencial para quem quer ter uma carreira longa e proveitosa como investidor em ações.

Estes dois princípios implicam que qualquer investidor que tenha um portfolio desequilibrado devido a uma posição desproporcionada e excessiva numa empresa como por exemplo a Inapa deverá assumir a sua responsabilidade.

Dito isto, a minha opinião, como Certified European Financial Analyst e Presidente da Associação Portuguesa de Acionistas Minoritários, é que a situação grave da Inapa deveria ter sido evitada e, se possível, deve ser revertida.

Vou resumir 4 razões principais para esta opinião.

1ª Razão: a Dívida Líquida da Inapa está no mínimo desde 2006

A evolução da dívida líquida da Inapa desde 1998, que é desde que disponho de dados, evidencia uma tendência descendente inequívoca e só foi interrompida pela consolidação da alemã Papyrus, em 2019. Mais um ano ou dois de redução da dívida líquida e a Inapa estaria com a menor dívida financeira de pelo menos 26 anos. Portanto a Inapa não é uma situação de endividamento crónico e crescente. Pelo contrário, a empresa tem feito um esforço notável de redução da sua dívida líquida, tendo diminuído 130 M€ nos últimos quatro anos, o que dá uma média de 32,5 M€/ano.

Uma empresa que tem a capacidade de reduzir a sua dívida líquida com esta intensidade não deve ser descartada e aniquilada de ânimo leve.

Se a gestão da Inapa pecou terá sido por ter reduzido a dívida líquida demasiado rapidamente, em vez de construir uma almofada financeira mais ampla que lhe permitisse fazer face à emergência de liquidez que aconteceu agora em julho de 2024.

2ª Razão: a Inapa é uma das poucas grandes empresas portuguesas

Com um volume de negócios historicamente em torno de mil milhões de euros por ano… a Inapa está entre as 12 maiores empresas da Euronext Lisboa por volume de faturação. Além disso a Inapa é uma verdadeira multinacional, com 62% das receitas na Alemanha, 27% em França, somente 4% em Portugal, 3% em Espanha e os restantes 4% noutros países.

Temos aqui uma empresa que é líder europeia na sua indústria e vamos destruí-la, deixá-la morrer por dá cá aquela palha?

3ª Razão: EBITDA sempre positivo e lucros recorde em 2022

Os Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization da Inapa têm sido sempre positivos:

Isto demonstra que a empresa, ao nível operacional, é lucrativa. E só dessa forma é que poderia ter reduzido a Dívida Líquida da forma que efetivamente fez. Em termos de Resultado Líquido o track record é errático… mas não podemos deixar de mencionar o facto de em 2022 a Inapa ter tido um lucro recorde!

E agora em 2024, devido a um relativamente pequeno evento de liquidez, vão liquidar esta empresa? Vão mesmo liquidar uma empresa fundada em 1965, com cerca de mil milhões de faturação anual, uma líder europeia na sua indústria, com 1478 empregados?

Espero que não. Espero que seja feita uma análise consciente e que seja permitido à Inapa sobreviver e eventualmente… prosperar!

É evidente que, devido à natureza do seu modelo de negócio, assente na distribuição de papel (87% da faturação), a Inapa nunca será um negócio muito lucrativo. Nunca será um investimento muito proveitoso para os investidores. Mas também não precisa de ser desastroso.

A Inapa estava a fazer um turnaround assente na diminuição da sua dívida financeira, o que eventualmente iria transformá-la numa empresa consistentemente lucrativa, com uma margem líquida provavelmente em torno de 1%, ou seja, em condições normais a Inapa seria empresa para dar cerca de 10 M€ de lucro por ano, em média.

Liquidar esta empresa depois de 15 anos de esforço de redução da dívida financeira, quando está tão mais perto de se tornar saudável, sinceramente é morrer na praia. É ter uma visão e uma atitude focada no curto prazo.

4ª Razão: o Estado como Principal Acionista

O Estado detém, através da Parpública, 44,89% do capital da Inapa e é de longe o seu maior acionista. O 2º maior acionista, a grande distância, é a Nova Expressão, com 10,85%.

Ora, o Estado não é uma entidade qualquer. Ao Estado exige-se uma responsabilidade acima de todos os outros agentes económicos. Não é suposto, não é costume, o Estado não assumir as suas responsabilidades. Não é suposto, não é costume, o Estado não providenciar liquidez quando é necessária e deixar uma empresa em que é o principal acionista falhar perante todos os stakeholders: credores, trabalhadores, acionistas, clientes, fornecedores, etc.

E são só 12 M€. Não são 3500 M€.

Estou certo que nos 93.110 M€ do orçamento geral do Estado para este ano o Governo conseguirá encontrar muitas vezes 12 M€ em que será mais relevante ter cuidado com o dinheiro dos contribuintes.

Neste caso da Inapa um dos maiores perdedores será o próprio Estado, uma vez que é o maior acionista e, se nada fizer, as ações valerão zero. Outros perdedores serão os credores. E os trabalhadores da Inapa, que certamente custarão uns bons milhões a recuperar e reintegrar na capacidade produtiva.

E, finalmente, os pequenos acionistas da Inapa, nos quais não me incluo, por isso não escrevo com um conflito de interesses.

Não adianta dizer que se quer promover o desenvolvimento do mercado de capitais nacional, que se quer trazer mais empresas para a bolsa e depois, numa empresa em que o próprio Estado é o maior acionista, é este desprezo.

Não adianta acenar com medidas de pequeno alívio nos impostos sobre mais-valias a longo prazo e depois continuar a fustigar os investidores com desilusões e mais desilusões.

Há muitos casos, mas basta lembrar três em que o Estado esteve envolvido: o BES, a Portugal Telecom e o Banif. Estes três casos e agora este da Inapa – incomparavelmente mais pequeno e de mais fácil resolução – fazem mais mossa na confiança dos pequenos investidores do que o incremento de um pequeno alívio fiscal a longo prazo.

Conclusão

O Estado devia ser uma pessoa de bem e ajudar a Inapa neste momento de aflição.

Devia, sem dúvida, nomear uma nova equipa de gestão, que completasse o turnaround que a Inapa estava a fazer, rumo a anos de lucros consistentes e valorização da empresa.

A Inapa, como empresa europeia líder na sua indústria, poderia dar lucros consistentes em torno de 10 M€/ano e valer entre 100 M€ e 150 M€ em bolsa. A participação do Estado valeria – e poderia e deveria ser vendida – por qualquer coisa entre 45 M€ e 67 M€. Isto é que seria acautelar o dinheiro dos contribuintes.