Os momentos de crise servem, entre outras coisas, para aferir qualidades de liderança. É na dificuldade que se constata a fibra de quem diz governar. Os terríveis incêndios que mais uma vez se abateram sobre o país foram uma tragédia em si mesmos e uma calamidade no que revelaram sobre quem ocupa o Governo de Portugal. Ano após ano, o flagelo repete-se.

Os últimos anos têm sido particularmente violentos, com o massacre de Pedrógão a ficar para a história pelos piores motivos; a perda de tantas vidas, de modo tão trágico e a absoluta falência do Estado com um primeiro-ministro a banhos em cálidas águas internacionais. Não há perdão para o modo displicente e politicamente criminoso como este Governo lidou com Pedrógão. Haveria, contudo, lições a aprender, erros a não repetir, um emendar de rumo e atitude que garantisse alguma confiança em situações semelhantes.

Todos os anos, o primeiro-ministro garante que o país está absolutamente pronto para a época de incêndios. Fê-lo este ano, perante um coro de vozes avisadas que denunciavam falhas nas mais diversas áreas. Costa é daqueles que perfere mentir, esperando que chova, do que trabalhar a sério para prevenir o pior cenário. Não, o país não estava pronto; nunca esteve pronto com este Governo. Era, como sempre, mentira.

Como não choveu, e o inevitável aconteceu, Costa, como de costume, desapareceu. Ficou o ministro Eduardo Cabrita no posto de comando. Quem visse os canais portugueses sem conhecer a nossa língua, deduziria muito razoavelmente que o ministro era o líder dos incendiários e não o responsável pelos bombeiros. Nada pior numa situação de crise que o desnorte incontido de quem deveria transmitir a calma e segurança possíveis. Nada pior que o recurso repetido à mentira quando a confiança se exige.

Eduardo Cabrita comportou-se como um incendiário, perdeu a cabeça quando se exigia ponderação, mentiu sem pudor, amplificou o caos que já não era pequeno. Tudo o que um ministro não deve fazer, tudo o que implica a sua incapacidade para o cargo, tudo o que faria a sua demissão inevitável.

Onde os portugueses vêem uma tragédia, a grande família socialista vê uma oportunidade. A saga das golas inflamáveis é a caricatura do Governo de Costa, nepotismo descarado, compadrio a esmo e fartar de vilanagem. Se Cabrita já se deveria ter demitido, ou ter sido demitido pelo desaparecido Costa, Artur Neves nem se fala.

O secretário de Estado não tem apenas a incapacidade política absoluta do ministro, soma-lhe um rol de suspeitas incompatíveis com o exercício de qualquer cargo público, mancha e fere de morte o Estado que representa. No fim, à boa maneira deste tipo de famílias, mata-se o mensageiro, neste caso, o chefe de gabinete. É a esta qualidade de gente que Portugal está entregue.

A democracia em risco

As últimas sondagens, fruto desta trapalhada monumental, afastam definitivamente o PS da tão desejada maioria absoluta. É normal. O que já não é normal é a redistribuição das intenções de voto com a perda do PS. Há um natural desconforto, revolta até, com a incapacidade e desacerto que Rio e Cristas se esforçam por mostrar ao país no mais profundo exercício de suicídio político de que há memória.

Ainda assim, e por muito que custe, é no PSD e no CDS que ainda resta a possibilidade do voto de protesto contra Costa. Apesar de Rio e de Cristas, não há voto útil contra o descalabro actual fora dos dois partidos do centro-direita.

O Bloco é um cúmplice hipócrita do governo de Costa, que deseja apenas integrar esse governo, guinando ainda mais Portugal para a esfera do populismo terceiro-mundista de extrema-esquerda. O PAN, o grande fenómeno da actualidade, é o verdadeiro partido Melhoral: não faz bem nem faz mal. Defendendo os animais, de que todos gostamos, e o ambiente, que a quase todos preocupa, o PAN furta-se convenientemente a dizer ao que realmente vem; ninguém lhe conhece uma ideia sobre economia, segurança, justiça, educação, saúde, enfim, as áreas mais importantes do Estado nas nossas vidas.

O PAN vive de duas áreas sectoriais, que são efectivamente importantes, e que deveriam integrar com o devido relevo os programas de governo dos partidos do regime; só a incompetência dos grandes partidos abre espaço a este fenómeno sectorial de alcance imprevisível. Não, o PAN não é alternativa a nada, provou que não é travão aos desmandos de Costa, não se sabe o que realmente pensa sobre áreas fulcrais da governação, é apenas um sintoma preocupante da crise no sistema partidário.

Se não se evitar pelo voto democrático uma maioria de esquerda e extrema-esquerda na fasquia constitucional dos dois terços, teremos 45 anos depois, pela via do voto desistente, o garrote que o PREC não conseguiu à força. Sim, será como quando os comunistas foram votar Eanes; tapem o símbolo, esqueçam Rio e Assunção, tapem o nariz, o que quiserem, mas preservem a democracia. O PSD e o CDS poderão encontrar novas lideranças e direcções e regenerar-se de seguida, o país poderá não aguentar a venezuelização que se perspectiva.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.