A habitação é, a par da subida dos preços da alimentação básica, o maior problema que os portugueses enfrentam. Os legisladores quiseram resolver o problema da forma mais simples ao incluírem um artigo na Constituição da República, o art. 65º, onde explicitamente incumbem o Estado de dar casa digna a quem necessita.
O tema é recorrente, mas assume maior relevância no dia em que o Governo se prepara para lançar novas medidas de apoio ao arrendamento e à construção, ao mesmo tempo que pretende criar medidas de apoio aos mais jovens neste campo. Quando escrevemos esta crónica ainda não eram conhecidas as medidas, mas as críticas negativas já eram superiores às positivas. Tudo decorre das últimas iniciativas ligadas aos programas “Renda Acessível” e “1º Dto”, que estão longe de responder às necessidades.
A habitação tem uma característica diferente dos outros setores que são relevantes para a generalidade da população. Enquanto na saúde ou na educação mais de 90% das infraestruturas são propriedade do Estado e o restante é privado, na habitação acontece o contrário. Aliás, o Estado de forma direta terá cerca de 2% das habitações. Por isso, resolver a habitação só se pode conseguir de duas formas: cooperar com os privados, incluindo com os pequenos proprietários ou, em alternativa, tornar o setor público.
E, para complicar ainda mais a análise deste setor, é preciso perceber que há milhares de habitações devolutas, mas a esmagadora maioria não está em condições de habitabilidade. Das duas uma: ou os privados fazem obras, gastam dezenas de milhar de euros por cada habitação e esperam um retorno a 20 anos ou, em alternativa, deixam cair as casas na expectativa de um dia as venderem.
Os números de habitações devolutas são tremendos, cerca de 720 mil em todo o país, e cerca de 50 mil nas grandes cidades, parte das quais são edifícios públicos. Acresce que a maioria dos devolutos estão em zonas sem procura habitacional. Acresce que o mercado de arrendamento tornou-se premente a partir do momento em que deixaram de estar criadas condições para os jovens adquirirem habitação com as exigências bancárias.
Além disso, criou-se a falácia dos vistos Gold que inflacionaram preços. Isso é verdade, mas aplicado apenas a freguesias do casco histórico das cidades ou a zonas de Lisboa e Porto onde já existia um forte poder aquisitivo. E atribuir as falhas de habitação ao negócio do alojamento local é outra falácia, pois iremos prejudicar o turismo, a indústria da qual vivemos.
A habitação é, pois, o maior problema político do momento. Não há soluções por decreto, mas sim por cooperação entre o Estado e os principais agentes do setor.
Cerca de 60% do preço de uma habitação nova resulta de impostos e taxas, o que significa que as edilidades não vão deixar o mercado abrandar em termos de preço e o Estado também vai continuar a precisar dessa receita. Para os particulares, o risco está nos impostos e nas garantias perante arrendatários.
E, repito, ainda sem conhecermos as medidas públicas propostas para a habitação, é necessário construir e reabilitar mais rápido, mais barato e com menos burocracia. É ainda necessário respeitar os privados e uma intervenção do Estado inteligente, incluindo na regulação de preços, algo semelhante ao que já se faz em vários países europeus.
Proibir o proprietário de fazer o seu negócio é o primeiro passo para agudizar toda a situação. A escassez sempre se resolveu com mais e melhor oferta.