Quando o primeiro-ministro, em resposta a uma interpelação parlamentar, onde um deputado liberal pedia ajuda do Estado à economia, diz, em tom jocoso, que é agora que aquele se lembra do Estado, fez-me pensar sobre esta pseudo alteridade.

O Estado é uma mera ficção jurídico-política e numa lógica puramente financeira ele é, sobretudo, financiado pelos cidadãos, famílias e empresas. Quando se pede ajuda ao Estado deve-se perceber que se trata de uma mera antecipação de parte do Produto Interno Bruto que o Estado cobra, ou cobrará, anualmente aos trabalhadores e empresas.

O Estado e o funcionalismo público são financiados dessa forma e por isso devem ajudar as empresas e as famílias nesta altura. Até em benefício próprio, porque o Estado acabará por não ter maneira de se sustentar. Se não houver impostos para pagar a despesa primária e os encargos da dívida pública, gostava de saber o que é que o primeiro-ministro diria àquele deputado liberal? Porventura diria: não perguntes o que é que o Estado pode fazer por ti, mas o que é que podes fazer pelo Estado…

O Estado tem de ajudar a economia privada para se ajudar a si próprio.

Dito isto, seria uma medida de bom senso e de preservação do Estado suspender qualquer aumento dos salários da Função Pública, ou mesmo reduzi-los temporariamente; seria uma medida de bom senso, à semelhança de muitos cortes nos vencimentos de administradores e gerentes de empresas, os políticos cortarem uma parte dos seus vencimentos e mordomias; seria uma medida de bom senso um aliviar de todos os deveres fiscais este ano e, finalmente, seria de bom senso preparar a retoma económica com uma injecção de capital nas empresas e consequentemente ajudar os seus trabalhadores e suas famílias a ultrapassar esta crise sanitária de efeitos económicos brutais.

Já falei em artigo anterior na necessária capitalização das empresas economicamente viáveis (e porventura financeiramente desequilibradas), sem a intermediação da banca, mas hoje trataria apenas de uma medida relativamente simples, de natureza fiscal.

A fiscalidade é ciência que não cultivo, mas se o Estado permitisse que as empresas diferissem todas as obrigações de pagamento dos seus impostos e contribuições para a Segurança Social que se vencessem em 2020 – o pagamento por conta em sede de IRC por maioria de razão – e permitisse o seu pagamento prestacional, com dispensa de garantias, permitiria aliviar a tesouraria das empresas e capacitaria que estas, aquando da retoma, pudessem cumprir com o cumprimento pontual das suas obrigações fiscais e recuperar, de modo prestacional, adequando os pagamentos à real capacidade de tesouraria das empresas, as obrigações fiscais anteriores.

E, já agora, retomar um plano semelhante ao “plano Mateus” que permitia àquelas empresas, economicamente viáveis mas em situação financeira difícil, negociar um plano prestacional de cumprimento das suas dívidas ao Estado. Atualmente estas empresas mais frágeis não podem recorrer nem ao lay-off, nem às linhas de crédito Covid 19, porque já atravessavam dificuldades financeiras na altura da crise e não conseguem demonstrar uma situação contributiva regularizada perante a Administração Fiscal e Segurança Social. Deste modo se evitarão milhares de processos de insolvência na saída da crise.

Usando a imagem que o primeiro-ministro usou, de que já se via uma luzinha ao fundo do túnel, desconfio que quando virmos a tal luz descobriremos que afinal é a luz do comboio a trucidar-nos. É que se não tomarmos medidas de alívio à tesouraria o Estado não vai sobreviver… E o Estado somos todos nós!