Um ano após a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa ouvem-se comentários avulsos, uns positivos outros negativos sobre a actuação do Presidente da República (PR) no contexto da actual situação política. Uma das críticas mais escutadas, vindas naturalmente da direita ou de quem tem uma visão mais ao pé da letra dos poderes presidenciais, é a de que Marcelo teria aqui e ali extravasado os seus poderes dando cobertura política ao Governo de António Costa.
Para esses exigir-se-ia daquele uma atitude mais distante da acção do Governo e menos contemporizadora para as “tropelias da geringonça”. Outros mesmo, mais eruditos, entendem que o lugar indicado para um presidente em sistema semipresidencial ou, como gostam de apelidar, “em sistema misto presidencial-parlamentar”, é o do pedestal majestático, mais simbólico do que interessado. Daí ficarem incomodados com o que interpretam ser a exorbitação dos poderes e ficam mesmo horrorizados com tanta selfie.
Poderá naturalmente sustentar-se que o actual Presidente poderia ter evitado pronunciar-se sobre este ou aquele tema e com isso deixar o Governo entregue a si próprio e ao contraditório com a oposição. Sou insuspeito porque não apoio, longe disso, a actual combinação governativa. Mas suponho que não posso ser acusado de incoerência ao dizer que o nosso Presidente (em abstracto) não é um corta-fitas, não é uma figura simbólica, tem importantíssimos poderes e deve exercê-los em bom critério com total liberdade. E que no critério desse exercício o que releva é o “estilo presidencial”, o modo muito particular e único como actua politicamente e como determina as suas acções pelas circunstâncias da vida, do momento e do lugar em que age.
Haverá um “estilo Cavaco”, como existiu um “estilo Soares” como agora há um “estilo Marcelo” – todos eles absolutamente compagináveis com a Constituição. É verdade que todos os órgãos políticos singulares (primeiro-ministro, Presidente da Assembleia da República, p.ex.) se confrontam e são avaliados pelo seu “estilo”. Mas, no caso do PR em sistema semipresidencial como o nosso, essa característica, que não é nem pode ser avaliada normativamente, é muito mais visível e relevante. Tranquilizemos pois os que receiam pela situação política portuguesa. Não é o “estilo presidencial” de Marcelo (aliás excelente, permita-se este desabafo) que dará dores de cabeça a quem quer que seja…
O autor escreve segundo a antiga ortografia.