O conceito de “estrangeiro próximo” foi crismado por Moscovo para designar, com assumido paternalismo estratégico, as entidades nacionais resultantes da implosão da antiga URSS, após esta ter sido derrotada na Guerra Fria. São 15 Estados, o maior dos quais é a Federação Russa, sua sucessora no plano internacional.

Com desagrado de Moscovo, em período de enfraquecimento, três desses Estados ingressaram na Nato – Estónia, Letónia e Lituânia. Mas Putin conseguiu evitar, num tempo de maior assertividade, que dois outros viessem a ter um destino idêntico – Ucrânia e Geórgia.

Nestes, a longa mão russa continua a manter uma tutela de influência determinante. No primeiro, na região de Donbass, que rejeita a soberania imposta por Kiev. No segundo, nos verdadeiros “bantustões” que são a Abcásia e a Ossétia do Sul, a que (quase só) Moscovo deu a designação de “países independentes”, após anos de disputa com a Geórgia.

A este tipo de situações convencionou-se chamar “conflitos congelados”, i.e., situações que configuram um “statu quo” de guerra suspensa, por disputas territoriais, que irrompe a espaços.

Dos restantes nove estados resultantes da URSS, cinco estão na Ásia Central, todos com regimes ditatoriais travestidos de democracias – Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Usebequistão. Não é uniforme o modo como a Rússia se relaciona com cada um deles, mas pode dizer-se que Moscovo mantém um “droit de regard” sobre todos, garantindo que eles não confrontam os seus interesses geopolíticos essenciais.

Dois outros Estados, no Cáucaso do Sul, a Arménia e o Azerbaijão, mantêm entre si um outro “conflito congelado”, sobre o território do Nagorno-Karabakh, que Moscovo segue à distância.

Restam ainda dois países.

Um é a Moldova, entre a Roménia e a Ucrânia, com outro “conflito congelado”, a propósito do território da Transnístria, onde uma velha base militar garante um pé à Rússia.

O outro é a Bielorrússia, encravada entre a Rússia, a Ucrânia, a Polónia, a Letónia e a Lituânia. Desde 1994, é dirigida com mão de ferro por Alexander Lukashenko, à frente de um regime que limita as liberdades dos cerca de 10 milhões de cidadãos do país. Agora, o ditador voltou a ser “eleito”. Com a Rússia, tem uma relação algo estranha, mas de objetiva dependência.

O país é hoje um “buraco negro” dentro de uma Europa basicamente democrática. O ditador e o seu regime foram já objeto de sanções. Por muita pressão que a União Europeia possa fazer, perante alguma complacência objetiva da administração americana, Lukashenko não cairá, enquanto a Rússia não quiser.

A Guerra Fria suspendeu a História por algumas décadas. Desde que acabou, num registo de humilhação para Moscovo, a Rússia criou, em seu torno, um mundo de Estados com os quais mantém uma tensa e diferenciada expressão do seu poder. Não havendo condições para regressar ao anterior estado de coisas, Putin é hoje senhor do tempo dos outros. Isso provoca alguns, sossega outros e dá a todos a certeza de quem, na realidade, continua a mandar por ali.