Ter taxas de juro negativas é provavelmente dos conceitos mais contranatura do sistema capitalista. Quando um credor empresta dinheiro, está a assumir o risco desse dinheiro não ser devolvido. Mesmo que esse risco seja muito residual, faz sentido que o credor receba um retorno pelo facto de o assumir.

No entanto, actualmente existem mais de 13 mil milhões de dólares em obrigações a nível global a cotar com yields negativas (taxas de juro implícitas abaixo de 0%). Ou seja, um investidor que invista nestas obrigações e as detenha até à maturidade vai de certeza perder dinheiro. É o equivalente a ir jantar fora com a certeza de que se sairá do restaurante com mais apetite, ou ir a um hospital com a certeza de que se sairá de lá mais doente. Mas como podem os sistemas financeiro e capitalista funcionar em tal ambiente?

No que toca ao sector financeiro, os seus lucros advêm na sua maioria da intermediação de capital e não dos juros deste. Os bancos lucram com o diferencial entre os juros dos depósitos e os dos empréstimos, as seguradoras tendem a cobrir os seus custos operacionais com os prémios dos seguros, e os fundos de investimento ganham uma comissão de gestão independentemente das perspectivas de retornos futuros.

Em qualquer um destes casos, os juros negativos prejudicam as perspectivas de negócio: os bancos tendem a comprimir os spreads, as seguradoras tendem a obter menos lucro extra dos prémios que recebem, e os fundos de investimento têm mais dificuldades em atrair capital. Mas a verdade é que não os invalidam e, por isso, o sector financeiro continua a funcionar, e por consequência a economia.

Visto que o sector financeiro continua a funcionar “normalmente”, a segunda preocupação que surgiu foi a possibilidade de ocorrerem demasiadas pressões inflacionistas. Um dos objectivos das taxas de juro baixas é estimular a oferta e a procura por crédito que estimula a actividade económica, mas também pode suscitar demasiadas subidas de preços dos bens e serviços. No entanto, já vivemos num mundo bastante endividado e, por isso, independentemente do nível das taxas de juro, a procura por crédito não cresceu demasiado.

Não só a procura por crédito cresceu pouco, como também temos tido uma interveniente que tem tido um efeito deflacionista inesperadamente pesado: a tecnologia. A inovação tecnológica não só reduz o custo a que determinados produtos/serviços são produzidos/prestados, mas também deteriora a capacidade negocial dos trabalhadores de todo o mundo. Hoje em dia, a maior parte das empresas na maior parte dos sectores ainda consegue extrair mais valor do investimento em tecnologia (software, infra-estrutura tecnológica), do que do investimento nos seus trabalhadores.

A inflação baixa permite-nos manter um nível de taxas de juro estranhamente baixo, e a falta de procura por crédito e a inovação tecnológica têm evitado que a inflação suba demasiado. Mas o impacto destes dois factores está gradualmente a mudar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.