A recente conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada na ilha do Sal em Cabo Verde, constituiu mais uma prova do caráter visionário de José Aparecido de Oliveira, o pai fundador da comunidade.

De facto, nessa conferência, oito novos países e uma organização juntaram-se à já extensa lista de observadores associados. Um estatuto que lhes reconhece um amplo leque de direitos no que concerne à participação na vida da comunidade.

Além disso, entre os novos associados figuram dois – o Reino Unido e a França – que constituem as principais referências de duas outras comunidades surgidas com o intuito de aproximar povos marcados por uma longa e desigual vivência colonial: a Commonwealth e a Francofonia.

Um passado que deixou marcas profundas. Razão pela qual não faltaram vozes a criticar a formação de comunidades que adjetivaram como neocolonialistas, malgrado a ideia da criação ter partido dos antigos colonizados. Bastará, no caso da CPLP, recordar os novos mitos lusófonos denunciados por Alfredo Margarido, que via a organização como uma forma de os portugueses, inquietos com o fim do império, acautelarem o futuro.

Uma ideia que nunca colheu junto de José Aparecido, o embaixador plenipotenciário do Brasil em Lisboa. Um visionário que recusou o papel de juiz do passado e assumiu, na primeira pessoa, as dores da criação da CPLP. Por isso entregou pessoalmente em mão as cartas que o seu presidente tinha escrito aos dirigentes dos países lusófonos.

Um visionário pragmático. Sabia que as rezas à Santa da sua devoção – Nossa Senhora de Fátima – não chegavam. As cabeças de muitos dirigentes lusófonos costumam primar pela dureza.

Durante os vários contactos que com ele mantive, a discussão andou pelas questões que se prendiam com a indefinição inicial do projeto – crítica que recusava sempre – pela falta de visibilidade da organização – assunto que desvalorizava – e pelo futuro da comunidade, o seu tema preferido. O único que lhe devolvia o brilho aos olhos e a vivacidade a um discurso que entrava pelo cérebro.

Foi ao longo das conversas com José Aparecido e com outro dos arquitetos da comunidade lusófona, Adriano Moreira, que me fui apercebendo do magnetismo ou do poder de atração da CPLP. A comunidade do Oceano Moreno e com entrada para o Índico.

Uma realidade ignorada a nível interno. Uma construção sobressaltada. Os avanços seguidos de dúvidas e de recuos. Como no acordo ortográfico. Ou na cidadania lusófona. Para não falar dos entraves à mobilidade.

Por isso, são os membros associados que percebem as potencialidades de uma comunidade que não se esgota na língua. Não batem à porta em nome do ecumenismo ou da diáspora lusófona que, em alguns casos, albergam. Vêm porque percebem a importância geoestratégica e as possibilidades do foro económico.

Por esclarecer fica a questão que não tive tempo de discutir com José Aparecido. Será que, face a tantos associados, a CPLP dispõe de líderes capazes de manter a identidade?

Se fosse vivo, é provável que o embaixador fingisse não estar preocupado. Afinal, uma comunidade que sobreviveu a tanto, só pode mesmo ter futuro.