Numa entrevista concedida ao Jornal Económico, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, disse que Portugal poderia “pagar mais dois mil milhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI) este ano”. Actualmente, a República Portuguesa ainda tem mais de quatro mil milhões de euros de empréstimos junto do FMI. Segundo Mourinho Félix, o Governo português pretende fazer o “pagamento desses quatro mil a 4,5 mil milhões de euros ao longo dos próximos anos”.
Nesta matéria, as linhas de continuidade entre o actual e o anterior governos não poderiam ser mais evidentes. Apesar da pressão política passada para que se colocasse na agenda governamental a possibilidade de um haircut da dívida da República Portuguesa, o actual Governo de António Costa em nada alterou o rumo de restruturação ‘silenciosa’ da dívida pública adoptado pelo governo de Pedro Passos Coelho e prosseguido pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP).
Um rumo prudente, sem riscos e sem custos desnecessários, tanto mais que, em 2017, Portugal registou a terceira maior dívida pública da União Europeia (UE). Segundo os dados revistos do Eurostat, a dívida pública portuguesa equivalia a uns pesadíssimos 124,8% do Produto Interno Bruto (PIB).
A dívida pública, portanto, disso não tenhamos a menor dúvida, continua a representar um risco gravíssimo, nomeadamente para a banca portuguesa. Importa, por isso, continuar este esforço disciplinado de restruturação ‘silenciosa’ da dívida pública. Um esforço com relevância acrescida se se tiver em conta que o Banco Central Europeu (BCE) terminará o programa de estímulos já em Dezembro e que daqui a um ano o próprio Mario Draghi será substituído por um novo presidente.
À incerteza europeia enunciada há que adicionar outros riscos externos, como é o caso de uma eventual escalada, para além da que já existe actualmente, nas tensões comerciais entre os grandes blocos comerciais. Tudo isto numa altura em que o novo Orçamento Geral do Estado prevê um crescimento de 2,2% em 2019, uma previsão claramente optimista, se comparada com as previsões do FMI (1,8%) ou do Banco de Portugal (1,9%).
É indiscutível que a situação global portuguesa melhorou muito nos últimos anos, fruto do trabalho do anterior e do actual Governo. No caso da banca, em particular, o rácio de NPL, i.e. o stock de crédito de activos não rentáveis, continua a descer de forma continuada. Em todo o caso, o trabalho de casa não está terminado, muito longe disso.
Na sua complexidade, a realidade é muito simples. Apesar das significativas melhorias ocorridas a partir de 2011, o Estado português permanece muito exposto a potenciais choques externos e, infelizmente, continua a crescer pouco. Ora, é neste contexto que se aproxima um novo ciclo eleitoral, algo que, como sabemos, tradicionalmente não estimula o sentido de responsabilidade. Saúda-se, por isso, a intenção manifestada pelo secretário de Estado Adjunto e das Finanças no sentido de se continuar a restruturação ‘silenciosa’ da dívida pública. Mais do que nunca, urge manter o rumo, por muito impopular que seja.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.