No passado fim de semana, em Espanha, a Andaluzia foi a votos para escolher o seu novo Parlamento autonómico, donde emergirá o próximo governo regional.
Apesar de se tratar de uma eleição autonómica e regional, foi impossível a mesma ser desprovida de uma leitura nacional. Em primeiro lugar, por se tratar do primeiro ato eleitoral ocorrido depois da tomada de posse de Pedro Sánchez como Presidente do governo de Madrid, assente numa coligação com os radicais do Podemos e as forças independentistas autonómicas. Depois, pelo envolvimento pessoal das principais lideranças nacionais na campanha eleitoral que teve a Andaluzia por palco.
Fator complementar mas não despiciendo: a Andaluzia sempre foi vista, em toda a Espanha, como o principal feudo socialista, governando a região desde que o regime autonómico foi implementado na sequência da Constituição de 1978.
Os resultados conhecidos não deixaram margem para quaisquer dúvidas – os partidos do sistema (PSOE e PP) obtiveram os piores resultados das respetivas histórias, o Podemos, sócio de Sánchez na governação de Madrid, foi eleitoralmente penalizado e os grandes vencedores do sufrágio foram o Cidadãos (apesar de não ter conseguido suplantar os populares e ter-se ficado por um terceiro lugar) e, sobretudo, a nova extrema-direita populista agrupada em torno do Vox, que irrompeu no novo Parlamento de Sevilha, onde não possuía qualquer representação, com a obtenção de 12 assentos parlamentares.
A esquerda, nominalmente vencedora das eleições, com os 33 lugares obtidos pelo PSOE, poderá ter dado por fim a sua governação na região, com a eventual emergência de uma “geringonça de direita” que congregue os votos de populares, Cidadãos e extrema-direita – que, no seu conjunto, possuem os votos necessários para o exercício da governação em Sevilha.
Para termos uma noção clara da importância destes resultados, atente-se que agora, em 2018, os tradicionais PSOE e PP limitaram-se a somar 59 deputados correspondentes a 1,74 milhões de votos quando, em 2015, totalizavam 80 deputados e representavam 2,5 milhões de votantes; em 2012 somaram 97 deputados e 3,1 milhões de votos; e em 2008 perfaziam 103 deputados e representavam 3,9 milhões de votantes.
Ou seja, os partidos políticos tradicionais do centro do sistema foram, sustentadamente, perdendo representação eleitoral: 103 deputados (2008), 97 deputados (2012), 80 deputados (2015) e 59 deputados (2018). Esta tendência refletiu uma igualmente sustentada quebra de apoio popular destes partidos: 3,9 milhões de votos, 3,1 milhões de votos, 2,5 milhões de votos e 1,74 milhões de votos.
O relevo desta votação não pode, por isso, ficar à margem de uma leitura nacional daquilo que pode estar prestes a acontecer em Espanha em termos das próximas eleições – quer para o Parlamento Europeu, quer para o Parlamento de Madrid.
A principal ilação que se deve retirar prende-se, incontornavelmente, com o facto de, também em Espanha, se estar a fortalecer e sedimentar a emergência do radicalismo político que, até agora, se circunscrevia apenas ao papel desempenhado pelo Podemos. Com a extrema-esquerda radical e populista já representada no cenário político espanhol, Espanha pode estar a um passo de ter de conviver, também, com um fenómeno novo – o radicalismo populista agora de cariz contrário e estruturado em torno do Vox.
Se não são, obviamente, boas notícias para a estabilidade da governação espanhola, com toda a certeza que também não o serão para a estabilidade da situação política nesta Europa cada vez mais integrada politicamente, e em que o que se passa ou acontece em cada um dos seus (ainda) 28 Estados não é estranho nem alheio a todos os restantes Estados membros da União.
Com a chanceler Angela Merkel profundamente enfraquecida, com Macron a conhecer altas taxas de desaprovação em França, com a Itália nas mãos dos populistas da Liga e do 5 Estrelas, com os países de Visegrado (Hungria, República Checa e Eslováquia) e outros Estados da antiga Europa de leste (Polónia, Croácia e Roménia) a enfileirarem, cada vez mais, por opções políticas que suscitam as maiores reservas em termos de respeito pelas próprias regras do estado de direito democrático e com o Reino Unido com as malas feitas para deixar a União no próximo dia 29 de março – talvez tenhamos uma noção perfeita dos dilemas, dos desafios, mas também dos perigos, com que o que sobra desta Europa, ainda dita da União, se irá defrontar nos tempos mais próximos, nomeadamente nas eleições para o Parlamento Europeu do próximo mês de maio.
Se a estes fenómenos partidários somarmos os movimentos inorgânicos que vão pululando um pouco pelas diferentes latitudes do Velho Continente – e de que as manifestações dos “coletes amarelos” no passado sábado em Paris constituíram o mais recente exemplo – talvez possamos concluir, sem risco de grande desmentido, que vão perigosos os tempos que se avizinham nesta Europa em que, teimosa e idealisticamente, alguns continuam a acreditar e com que continuam a sonhar por acreditarem (acreditarmos) que os valores subjacentes à obra dos pais fundadores são perenes, são imorredouros e continuam a ser o único seguro e a única garantia para os europeus, neste mundo em permanente convulsão e cada vez mais menos confiável.