O discurso político português atual reduz-se a uma batalha de memes e ameaças nas redes sociais, de grupos no Whatsapp e no Telegram, um caldinho de (des)informação não mediada que alimenta ressentimentos, ódio, discurso anti-ciência, teorias da conspiração, projetos autoritários e obscurantismo religioso, ou seja: o solo fértil para a violência. Porque as palavras não são apenas palavras, elas constroem o real.

Na Alemanha, em 2015 Henriette Reker foi esfaqueada quase até à morte na véspera das eleições autárquicas de Colónia, que viria a vencer. Dois anos depois o presidente da câmara de Altena, o democrata-cristão Andreas Hollstein, foi igualmente esfaqueado, tendo sobrevivido. Já a deputada trabalhista britânica Jo Cox, em 2016, e o alemão Walter Lübcke em 2019 morreram às mãos de nacionalistas. Em Março de 2019 51 pessoas foram mortas e 49 ficaram feridas no massacre de Christchurh na Nova Zelândia, massacre transmitido em direto no Facebook. O que têm em comum estes crimes, que não são uma listagem exaustiva? Todos são da responsabilidade de supremacistas brancos.  E tiveram lugar não sem antes se ter criado um ecossistema propício ao crescimento das ervas daninhas que sufocam a democracia.

Pensar, num mundo hiperconectado, que este ódio não se propagaria a Portugal, é ser-se ingénuo ou optar por deliberadamente fazer vista grossa. Em entrevista recente ao “Público”, Álvaro Vasconcelos, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa, considera que se ultrapassou uma linha vermelha e que o “discurso racista do Chega na Assembleia da República criou as condições políticas” para a escalada que estamos a assistir. “O discurso racista mata, é violência e foi-se banalizando em Portugal, foi assumido pelo Chega, teve a cumplicidade de muita gente da sociedade portuguesa, sem que as instituições da República fizessem um repúdio frontal”.

O principal partido da oposição, leviano, flirta com a possibilidade de alianças eleitorais em vez de uma defesa inequívoca dos valores democráticos. Sendo Rui Rio um germanófilo vale a pena apontar-lhe a posição da chanceler alemã nesta matéria e recordar-lhe uma frase de Bismarck: “uma leviandade pode conduzir a um desastre”.

Chegou o momento de ficarmos preocupados. Primeiro, porque há um alinhamento de conveniência de vários movimentos e grupos de extrema-direita. Segundo, porque existe uma máquina bem oleada e com recursos financeiros, mais do que a turba que vocifera em caps lock e é incapaz de escrever em português escorreito, deve inquietar-nos o facto da extrema-direita portuguesa ser hoje mais instruída, bem-pensante e de estratos sociais mais elevados. Terceiro, porque a luta política da extrema-direita não é leal, alimenta-se daquilo que Eliane Brum tem vindo a definir como “autoverdade”: os factos não importam, verificar os factos também não interessa, o que importa é a “autenticidade” com que se dizem as mais escabrosas mentiras.

Todos têm direito a ter a sua opinião, mas não a incentivar o crime e a violência. Fazer apologia ao crime não é ter opinião diferente. É fazer apologia ao crime. E isso não pode ser tolerado.

Há momentos na história em que o populismo autoritário é “fashion”, há momentos na história em que alguns líderes parecem conversar diretamente com o Estado Maior do Céu e anunciam que o Espírito Santo lhe sussurrou ao ouvido que eram os “escolhidos”, nós sabemos como acaba a história. A complacência dos poderes públicos e do espaço mediático em relação ao Chega contribui para um sentimento de impunidade a grupos marcadamente racistas, xenófobos, com ideologias ligadas ao nazismo, para praticar lógicas de intimidação.

Mais do que ficar preocupados, ou esperar por assassinatos políticos, este é o momento para os democratas de direita e de esquerda fazerem as suas opções. O silêncio não é uma.