Os resultados das legislativas são claros e vão muito além do jogo das principais personalidades que disputavam o lugar de primeiro-ministro. Era uma disputa essencialmente entre um partido socialista que beneficiou de condições extremamente favoráveis em termos de contexto europeu – mesmo com a pandemia, os apoios da União Europeia (UE) foram essenciais para podermos responder e ultrapassar a grave crise económica – e um partido social-democrata cuja principal mensagem era a da urgente necessidade de avançar com reformas estruturais na próxima legislatura.
Muitas vezes diz-se que estes dois partidos do centro político são semelhantes, mas as semelhanças ficam-se pelos valores ligados ao equilíbrio político-ideológico. Na verdade, existe uma diferença acentuada e que se tornou relevante: o PS é hoje um partido que promove uma agenda de manutenção do sistema, e de uma gestão política focada no curto prazo, enquanto o PSD defende a necessidade de reformar e transformar o país, de ser a economia o motor do crescimento dos salários e dos direitos, ao invés de serem os direitos e os salários a tentar puxar pelo resto.
O fortíssimo resultado eleitoral socialista expressa por isso, em meu entender, o receio que existe atualmente entre os portugueses de promover mudanças na sociedade, preferindo uma agenda que advoga o deixar tudo como está – que, na perceção dos portugueses, nem correu muito mal. Não existe nada mais perigoso do que esta perceção de conformismo, de que o atual sistema serve a Portugal e, sobretudo, que servirá para as próximas gerações, para as quais nada mudou.
Em primeiro lugar, porque há uma enorme ilusão relativamente ao sucesso da governação do PS. Esta ilusão foi alimentada pela ideia de que a página da austeridade acabou, quando na realidade foi “varrida para debaixo do tapete”. Pagamos nos impostos que eram temporários e se tornaram definitivos, como é o caso evidente dos combustíveis. Pagamos nas taxas e taxinhas que foi preciso criar para enfrentar a intervenção externa, mas que nunca mais desapareceram – as SCUT gratuitas, que tantas críticas mereceram por parte do Partido Socialista, nunca voltaram a ser gratuitas. Mas pagamos sobretudo na perca de investimento e de crescimento económico, onde perdemos sucessivamente lugares atrás de lugares no comboio europeu da competitividade, e onde neste momento já nem o meio da tabela disputamos.
Em segundo lugar, há um conformismo societário em Portugal que se deixa levar por promessas perigosíssimas para o futuro do país. O que assistimos é a vitória do “poucochinho” das ambições pessoais. A narrativa do programa eleitoral socialista baseou-se em duas premissas que encontraram eco junto do eleitorado: 900 euros de salário mínimo e quatro dias de trabalho por semana. Uma demagogia perigosa que é praticamente impossível de retirar da cabeça das pessoas, depois de plantada por uma eficaz comunicação política socialista.
Enquanto se tenta explicar porque é um perigo para as empresas, para a produtividade e sobretudo para as gerações futuras subir por decreto o Salário Mínimo Nacional numa legislatura, já os portugueses fizeram várias simulações de viagens para o novo fim de semana de três dias. O futuro tem pouco voto e pouco peso. Da mesma forma que existe pouca consciência sobre o facto de a subida vertiginosa por decreto do Salário Mínimo levar apenas à uniformização dos salários e à estagnação das carreiras. Matar a ambição individual dos portugueses é um tiro no futuro de Portugal. E isto devia ser óbvio, não fosse o país um dos que apresenta menor nível de literacia financeira na UE.
Por último, o clima benigno que ajuda a parecer que esta receita socialista funciona, tem os dias contados. A época da navegação fácil terminou e Portugal terá mesmo que preparar caminho para o crescimento. Isto acontece, desde logo, porque as principais economias do mundo já estão a crescer desde 2021.
Que quer isto dizer no caso de Portugal? Para o Estado, isso quer dizer que os custos com a dívida pública serão mais altos, o que pode desequilibrar o défice de forma relevante (tínhamos uma dívida de 135% do PIB em 2020) durante a pandemia. Para os portugueses, sobretudo no que pagam pelo crédito à habitação. De acordo com uma análise da DECO, uma subida moderada de 2% na Euribor pode levar a um aumento de cerca de 30% no valor da prestação mensal devida à entidade financeira – por exemplo, num empréstimo de 150 mil euros, as famílias passam a pagar mais cerca de 150 euros por mês, e isto com um spread conservador de 1%.
Ora, para que este esforço seja comportável para o Estado e as Famílias, Portugal tem não só que crescer por via da recuperação da Europa, mas tem também que reformar estruturalmente para ganhar a competitividade necessária para crescer de forma mais rápida e mais consistente. Só o Turismo não será suficiente desta vez, como foi em 2015 – o sector pode ainda levar alguns anos a recuperar totalmente.
Portugal precisa, por isso, que o espaço não socialista, e sobretudo o PSD como principal partido da oposição, acentue e vinque de forma clara a sua verdadeira vocação da produção de reformas, e não se perca em exercícios cínicos de réplicas de estratégias situacionistas. Foi essa a perceção, de querer ser igual ao Partido Socialista, que falhou junto do eleitorado.
Na fase que se segue, de reestruturação interna do partido, haverá uma tentação grande de rendição a uma análise cínica do eleitorado e ao situacionismo como forma de rapidamente conquistar simpatias e votos. Este é o maior perigo que existe atualmente para Portugal. O de que o partido de Francisco Sá Carneiro desista da sua principal matriz diferenciadora, que é a da transformação do país, e a da agenda de Portugal acima de qualquer outra. Sobretudo da agenda partidária.