A chamada ‘Operação Fora de Jogo’ estava anunciada. Com ou sem acesso a eventuais informações recolhidas por Rui Pinto, a Inspeção Tributária e Aduaneira já tinha tornado público, no plano de atividades para 2019, que uma das áreas definidas como prioritárias para o combate à fraude e evasão fiscal era o futebol, a par do alojamento local.

As suspeitas de esquemas de planeamento fiscal abusivo nas transferências de jogadores e a existência de sociedades em cascata para ocultar rendimentos de IRS já então eram referidas como uma prática comum dos clubes portugueses que era necessário investigar, dentro de um plano mais geral visando a recuperação de cerca de 1.338 milhões de euros para efeito de correção dos impostos.

Desse ponto de vista, a ‘Operação Fora de Jogo’ não pode ser considerada como uma surpresa. Nem sequer pelo considerável número de arguidos constituídos, 47 (23 pessoas e 24 sociedades ou empresas). A normalidade é tão absoluta quanto também o deveria ser, até aqui, o sentimento de impunidade de algumas pessoas com responsabilidades no futebol em Portugal, sempre confiadas no poder de sedução de uns bilhetes para a bola, nas relações com os altos dignatários da política nacional e em demasiados anos de inatividade da Justiça nos seus domínios. Talvez se comece agora a perceber que há planos distintos na atividade humana e que o gosto dos portugueses pelo futebol não dispensa os dirigentes dos clubes do cumprimento da lei.

Por outro lado, esta investigação pode, e deve, ser considerada uma extensão da chamada ‘Operação Furacão’, que desde 2005 investiga casos de fraudes fiscais, somando já 792 arguidos e 164 inquéritos, tendo o Ministério Público acusado 160 pessoas e permitido ao Estado recuperar 180 milhões de euros, segundo o último balanço feito pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Se agora as quase 60 buscas tocaram a Benfica, Sporting, FC Porto, Sp. Braga, V. Guimarães, Rio Ave, Portimonense, Estoril e outros clubes portugueses, então tinham sido levadas a cabo no BCP, BES, BPN e Finibanco. E se daí o ‘Furacão’ se encaminhou para muitas empresas nacionais e correlativas offshores, também é natural que agora o ‘Fora de Jogo’ tenha sido assinalado a vários ex-dirigentes (como Bruno de Carvalho), a um empresário tão relevante quanto Jorge Mendes, a um advogado como Carlos Osório de Castro (que dirigiu em tempos a OPA da Sonae sobre a defunta PT) e visado contratos de jogadores, com ou sem direitos de imagem.

Segue-se, daqui para a frente, o período dos inquéritos e, provavelmente, mais lá para diante, a reparação consensual do prejuízo gerado ao Estado. Foi assim que a ‘Operação Furacão fechou a maioria dos seus dossiers – e o mesmo aconteceu recentemente lá fora com pessoas como Cristiano Ronaldo ou José Mourinho, entre os portugueses, ou Leo Messi, entre muitos outros desportistas notáveis.

O futebol não deve, portanto, ser estigmatizado por esta operação.

Antes pelo contrário, esta realidade tem de ser vista como a confirmação de que em Portugal era habitual o tecido económico, na sua generalidade, ter práticas de vantagens fiscais ilegítimas que precisam de ser eliminadas. O futebol não pode ser dispensado da investigação mas também é justo que não seja visto como uma atividade na qual se passam situações originais.

O que estamos a assistir é a um filme com cenas demasiado comuns e transversais na sociedade nacional, infelizmente, também, porque durante demasiados anos a investigação fez questão de assobiar e virar a cara para o lado, vá-se lá saber se por conivente ou temerosa com o papão dos clubes.