Tributação mais progressiva, universalização dos serviços essenciais, expandir direitos dos trabalhadores, promoção da igualdade e diversidade, reforma do sistema penal, ampliação da participação democrática, Green New Deal, entre outros, são as medidas que os progressistas nos EUA vêm defendendo há muito, com Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez como cabeças de cartaz – Expresso, ‘A esgotar comícios por todo o país, Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) tentam despertar a América anti-Trump’, 15/ABR/2025.

A história política dos EUA, entre movimentos sociais, líderes carismáticos e actores políticos, passa por uma crescente adopção destas políticas, que, aliás, encontram um generalizado apoio popular.

O discurso político em que se encontram envoltas dificulta a sua adopção. Um espectro político sempre muito inclinado à direita, essas propostas esbarram num ambiente político que demoniza qualquer mudança considerada “extremista”, apagando as distinções entre o centro‑esquerda e o conservadorismo mais radical.

O discurso da ‘polarização’ serve esse mesmo fim, nega o espaço à discussão política de propostas que são, genericamente, de centro-esquerda (como verificamos na Europa), enquanto naturaliza o movimento político de negação da democracia liderado por Trump e pelo novo partido Republicano. O rótulo de socialismo, como Sanders e AOC o propuseram não parece ter afastado o apoio às ideias que estes defendem, mas apenas (e em parte) ao movimento progressista mais amplo.

Os Democratas perderam uma oportunidade em 2016 ao promoverem Hillary Clinton como candidata às presidenciais. Ao invés de uma candidatura do aparelho democrata, Sanders conseguiu apelar a eleitorados fundamentais dos Democratas, nomeadamente junto da classe trabalhadora.

A elitização dos Democratas, especialmente evidente de 2016 em diante, oposta ao sucesso de Trump pelos Republicanos, produziu uma inversão particular: passaram a ser os mais ricos e com mais formação a votar Democrata, com os mais pobres e com menos formação a preferirem os Republicanos – e Trump em particular, com um discurso populista que empurra a causa das más sortes de boa parte destes votantes a outros – China, imigrantes, elites – uma estratégia que teve enorme sucesso.

Os Democratas, numa baixa histórica da sua popularidade, estão perante uma escolha decisiva para o seu futuro político. Podem manter o que têm feito até aqui, um discurso vago sobre a defesa da democracia contra Trump, sem vincar diferenças políticas para os Republicanos. Tal poderá fazer ganhar o centro, mas também demonstrará uma escassa diferença de agenda entre uns e outros (bem visível no contexto político europeu, abrindo uma avenida para as direitas radicais), e, portanto, está fadada ao insucesso a prazo.

Ou, em alternativa, um discurso mais assertivo, que procura expandir e moldar o debate e a acção política, para que deixe de estar sequestrado pelos objectivos dos Republicanos. Sanders afirmou sobre isto que a liberdade política sem liberdade económica não é verdadeira liberdade.

Num contexto político em que as forças que se têm apropriado do conceito de liberdade são justamente forças proto-fascistas ou neoliberais suas recorrentes aliadas, só um projecto de futuro será capaz de mobilizar. Até poderá ser que a governação de Trump nestes quatro anos possa promover os Democratas, mas sem um projecto correm o risco de não se conseguirem afirmar, numa posição pouco distinguível da de Republicanos decentes, também esses em vias de extinção.

Faltaria ainda perceber que projecto para os EUA no mundo poderiam ter os progressistas. Em grande medida, Sanders e AOC não contestaram a política externa da Administração Biden, o que pode vir a ser problemático.

A defesa do direito internacional, mas apenas na Ucrânia, e sem um plano viável para o fim do conflito; a cada vez menor autocrítica relativamente a operações militares dos EUA; a tímida posição relativamente ao genocídio em Gaza, bem como a fraca capacidade de criticar o lobby pró-Israel na política americana, com influência eleitoral relevante; um discurso sequestrado pelo establishment do partido Democrata, sem conseguir uma posição clara, corre o risco de não conseguir mobilizar parte significativa do eleitorado, como aconteceu nas eleições presidenciais de 2024, e de derrotar o resto da estratégia progressista.

Uma pitada de estratégia de ‘America First’ também para os Democratas, poderia ajudar a clarificar alguns destes elementos (como o fim do alinhamento automático com Israel). Mas tal não pode ser feito sem uma dose de internacionalismo, que não seja intervencionismo permanente, mas antes uma defesa sólida da diplomacia e da negociação, do direito internacional em todas as circunstâncias, e de um repensar da posição dos EUA no mundo, também entre progressistas.

A vitória para as eleições de 2026 e de 2028 (e além disso) exige mais do que a rejeição de Trump: requer uma visão mobilizadora, que retome o poderoso legado das reformas do New Deal e dos direitos civis, mas que as actualizem para o século XXI. Só um partido que ofereça esperança concreta — e não uma mera resistência simbólica — terá força para reconstruir a maioria capaz de governar de forma estável e justa.