Portugal afirma-se cada vez mais como um país tecnológico. Têm sido feitos esforços nesse sentido, nomeadamente as estratégias para a inteligência artificial, data centers, investimentos em semicondutores e a aposta na inovação e competitividade. No entanto, há um desafio estrutural que precisa de acompanhar este progresso. Quase metade dos adultos portugueses continua sem competências digitais básicas. A consulta pública lançada para o Pacto de Competências Digitais representa um passo importante neste sentido, procurando alinhar a ambição tecnológica do país com a capacitação da população.

De acordo com os dados mais recentes do DESI (Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade) e do PIAAC (Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos) da OCDE, apenas 56% dos cidadãos entre os 16 e os 74 anos possuem pelo menos competências digitais básicas, quando a meta nacional é de 80% até 2030. Apenas 30% apresentam competências digitais acima do básico, ficando ainda aquém do objetivo de 40% estabelecido para o mesmo horizonte temporal.  As desigualdades digitais são particularmente acentuadas entre adultos com baixos níveis de escolaridade, entre os mais velhos e entre populações em situação de vulnerabilidade socioeconómica.

Este não é apenas um problema de acesso a serviços ou de qualificação profissional, é um bloqueio real ao progresso individual e coletivo. Sem competências digitais, milhões de pessoas enfrentam barreiras no acesso à educação, ao emprego, à participação cívica e à própria informação.

Num contexto em que a maior parte do debate público, da comunicação institucional e do exercício de direitos ocorre em ambientes digitais, a ausência destas competências traduz-se em exclusão. Tal significa também uma maior exposição à desinformação, à manipulação e à radicalização online. A literacia digital é essencial, porque não basta saber usar as tecnologias, sendo necessário compreendê-las, interpretá-las e usá-las de forma crítica e responsável.

A literacia digital é, portanto, o passo seguinte e complementar às competências técnicas. Garante que o cidadão não é apenas utilizador, mas participante informado e consciente. Sem literacia digital, a democracia fragiliza-se e o espaço público torna-se menos acessível, menos transparente e mais desigual.

O desajuste entre as competências da população ativa e as exigências do mercado de trabalho tem vindo a aumentar de forma consistente. Muitos trabalhadores sentem-se desatualizados face à digitalização crescente dos processos. Quando procuram formação, deparam-se com oportunidades dispersas, desatualizadas ou economicamente inacessíveis. A transição digital, impulsionada pelo uso generalizado da inteligência artificial, agrava esta disparidade, deixando para trás aqueles que já enfrentavam maiores desafios. Desta forma, é evidente o risco de uma modernização económica não acompanhada por políticas eficazes de capacitação digital.

Apesar da importância do tema, continua a faltar uma estratégia nacional integrada e sustentada para a requalificação digital de adultos. As respostas têm sido pontuais e com impacto limitado. Portugal precisa de assumir a capacitação digital como uma verdadeira infraestrutura crítica, essencial não apenas à competitividade económica, mas também à equidade social. É urgente criar redes locais de capacitação, com foco nos territórios de baixa densidade e nos grupos mais excluídos.

A escola pode e deve ser o ponto de partida, mas não pode ser o único. É necessário mobilizar as autarquias, as bibliotecas, os centros comunitários e o setor privado como agentes de capacitação digital.

Portugal está num momento decisivo. Não basta atrair investimento e inovar; é necessário garantir que todos adquirem as competências necessárias para acompanharem esta mudança. A capacitação digital é atualmente um instrumento de justiça social, um pilar de coesão e um garante da soberania democrática. Sem ela, seremos um país com tecnologia de ponta, mas sem quem a saiba fazer valer.