Já tínhamos noção que o segundo semestre iria ser complicado para a economia global, mas agora que começa a divulgação de resultados do primeiro semestre por parte das empresas, teremos uma melhor percepção do que nos espera.

As empresas que dependem do consumo da economia chinesa têm demonstrado alguma cautela em relação ao futuro, com o sector de luxo, o mais resiliente, a evidenciar uma desaceleração na procura. Este é um indicador de que a incerteza preocupa todos os segmentos da sociedade, com consequências ao nível do investimento e consumo.

Mas essa é a intenção dos principais bancos centrais – diminuir a procura, uma vez que não conseguem controlar a cadeia de oferta de produtos ou bens, apenas a moeda em circulação e o seu custo.

Nos EUA, os dados mais recentes mostram uma subida acentuada da taxa de rejeição de crédito, apenas comparável com Junho de 2018. A taxa média de crédito recusado atingiu os 21,8%, sendo que esse valor sobe para os 30,5%, quando olhamos para os pedidos de aumento de plafonds de cartão de crédito.

Ou seja, há cada vez mais pedidos de aumento de limites de crédito e de rejeições, o que demonstra que as famílias, não podendo utilizar as suas casas como colateral ou garantia de financiamento adicional, estão a recorrer aos meios mais caros, o cartão de crédito e crédito ao consumo, para financiarem o seu dia-a-dia.

Ora, com as taxas de juro para compra de casa nos 7%, o mercado imobiliário americano está lentamente a congelar e não permite mais financiar o consumo corrente. Ao mesmo tempo, a taxa de juro do cartão de crédito, muitas vezes superior a 20% por ano, ameaça o futuro da classe média.

Como a Reserva Federal americana foi a primeira a subir os juros, será também a primeira a sofrer o impacto dessas consequências, logo seguida da Europa. Ou seja, temos uma espécie de viagem ao futuro do que poderá acontecer dentro de um par de meses na Europa.

A mais recente incerteza em torno da exportação dos cereais da Ucrânia volta a pressionar o preço das matérias-primas e a ensombrar o trajecto de descida sustentada da inflação. A gestão das expectativas é muito importante e, por isso, a decisão de não prolongar o acordo de exportações de cereais pode trazer mais problemas às famílias nos próximos meses, apesar do preço o milho ou trigo estarem em valores de 2021. Mas, se o preço das matérias-primas está em valores de 2021, porque não estão os preços mais baixos?

Nunca é demais realçar que a inflação a diminuir, não significa uma redução dos preços, mas sim uma subida mais lenta. E é aqui que esbarram as expectativas do consumidor, que pretende uma deflação, ou redução de preços, face aos atingidos no pico da crise, sendo o objectivo dos bancos centrais ter uma inflação em redor dos 2%. Indirectamente, o BCE já referiu que a perda do poder de compra será permanente, não recuperável. Por outro lado, muitos agentes económicos tentam compensar as perdas que tiveram na pandemia não percebendo que estão a hipotecar o futuro.

Receio que os banqueiros centrais, suportados em departamentos de estudo desfasados da realidade económica, não tenham em consideração a disparidade dos diversos sectores da economia e, ao olharem para os valores agregados, estejam a perder a noção do que é a classe média e a base da democracia. Por outro lado, os governos, ocupados com o dia-a-dia, perdem-se e não percebem que, na realidade, estão numa batalha com o próprio banco central.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.