Devido ao impacto económico da crise pandémica e à ausência de uma estratégia estrutural do Governo, ninguém tenha dúvidas de que as boas empresas portuguesas serão vendidas, ao desbarato, aos estrangeiros. Não tenho nada contra o investimento directo estrangeiro, mas claramente preferia que esse investimento recaísse na criação de novas empresas, de novos empregos e que permitisse o reinvestimento dos lucros em Portugal.

Isso não ocorrerá por manifesta falta de pensar o futuro por parte dos nossos governantes que hesitam em tomar medidas de apoio efectivo à capitalização das empresas e de mudar o paradigma fiscal que incentive esse investimento directo estrangeiro criador de nova riqueza.

Os fundos de private equity e os distressed funds (incluindo aqui os fundos de dívida) estão neste momento sentados em “dry powder” de cerca de 3 triliões de dólares, com preocupações de injectar liquidez nos seus portofolios para os manter “vivos”, de adiar saídas ao mercado de empresas por força dos preços deprimidos desses activos e, o mais importante, de aplicar os fundos disponíveis nas empresas que sejam rentáveis no futuro.

É esta última escolha de investimento que se revela a mais difícil em face da pouca previsibilidade de quais serão as empresas que vingarão, em face da crise sanitária que se irá manter por um longo período e com um impacto económico e empresarial inevitável e imprevisível.

Excluindo pela positiva as empresas tecnológicas (incluindo aqui as startups) e as ligadas à saúde e pela negativa todo o sector do turismo, a aviação e o imobiliário, todos os outros sectores verão activos importantes a ser transaccionados no mercado de fusões e aquisições, por variadíssimas razões, das quais salientaríamos, no caso português, a falta de capital, o excessivo endividamento, um mercado exíguo e o decréscimo das exportações.

Ora, estas empresas, aquelas que produzem riqueza, no sector de produção de bens transaccionáveis e com capacidade de exportação, serão alvos fáceis e baratos para aqueles fundos de private equity e de distressed que, na referida lógica, as escolherão para compor os seus portfolios.

E assim perdemos os centros de decisão portugueses nas empresas mais importantes na cadeia de valor que, nesta fase pandémica, vemos que são fundamentais ou, para dar um exemplo notório, não dependêssemos da China para nos aprovisionar de bens essenciais para o combate à Covid-19…

Mas se podemos ver uma certa dinâmica no mercado de controlo de empresas, a médio prazo, certo é que se trata de mera mudança dos proprietários do capital e não verdadeiramente uma nova criação de empresas e novos empregos. Ao invés, e nos distressed funds por maioria de razão, veremos alguma perda de riqueza e de empregos em virtude de estratégias de reestruturação, legítimas, das empresas adquiridas.

Em lugar de, por via de incentivos fiscais agressivos, atrair o investimento directo estrangeiro criador de riqueza, e pela falta de apoio efectivo às empresas portuguesas, o que veremos é que as empresas com ebitdas positivos e atractivas serão compradas por fundos sem qualquer ligação emocional e estratégica a Portugal e aos portugueses.

Já vimos este filme na crise financeira de 2008, mas agora aquele terá um efeito mais transversal na economia real e produzirá, não tenhamos dúvidas, uma nova crise no sistema bancário. O apoio mediante garantias à nova dívida apenas serviu para alavancar mais as empresas e, desconfia-se, a um mero “roll over” de crédito bancário existente para crédito garantido.

Só os líricos acreditarão numa perda do produto interno bruto em 2020 de 8% quando a Inglaterra, com indústria, mercado de consumidores relevante, e que pode praticar um quantitative easing através da impressão de moeda, prevê uma queda de 14%!

Também veremos os hotéis a ser vendidos a fundos de distressed por preços muito deprimidos, à semelhança dos grandes centros comerciais na crise financeira de 2008. A TAP será inelutavelmente reestruturada, apesar de capitalizada, e consequentemente veremos toda uma estratégia nacional do turismo colocada à mercê de interesses que não estão necessariamente alinhados com a estratégia nacional.

Sobre o sector da construção e infraestruturas, incluindo aqui o sector da energia renovável, antevemos algum crescimento fruto das políticas keynesianas que terão de surgir, mas desconfio que veremos novamente as empresas espanholas, apoiadas pelo seu governo (como sempre o foram), a concorrerem e a ganharem os principais concursos e a comprarem as empresas portuguesas, mais descapitalizadas e pequenas.

Urge repensar a estratégia de intervenção na economia e nas empresas e manter os centros de decisão em Portugal, reindustrializar a economia e criar incentivos financeiros e fiscais!