O caos que se vive na Saúde – com um verão já marcado por encerramento de serviços de urgência – pode ser um momento de viragem para o Governo de Luís Montenegro.
Nenhum observador com a honestidade intelectual bem calibrada poderia exigir ao novo Governo AD uma resolução imediata de todos os problemas que assolam, há anos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Aos anos de emagrecimento forçado pela Troika, que veio socorrer um Portugal falido, sucederam-se oito anos de governação algo errática na Saúde – com medidas como o restabelecimento do horário de 35 horas para o sector – reorganizações geográficas, constituição de novas entidades, adiamento de acordos essenciais com classes profissionais como os médicos ou os enfermeiros. E sempre com um travo ideológico de fundo que deixava fora do prato – ou chegava mesmo a demonizar – o potencial contributo do sector privado, ao qual cada vez mais portugueses (capazes de o pagar) são forçados a recorrer.
Um cenário difícil de conter – quanto mais inverter – e cujo plano de ataque teria, forçosamente, de passar por uma estratégia de “esperar para ver e atirar pela certa”.
A coligação PSD/CDS-PP e depois o Governo decidiram incluir no seu programa a apresentação – no prazo de 60 a 100 dias – de um plano de emergência para o SNS, uma espécie de bala de prata que colocaria tudo nos eixos. Este plano foi apresentado, mas a par ou depois de medidas como um plano estratégico para a economia, para a execução do PRR, um aeroporto em Alcochete, Alta Velocidade para Madrid, Terceira Travessia do Tejo, revisão e descida do IRS, IRS Jovem, acordos com os professores. Milhares de milhões em despesa (imediata e futura), mas é o que é.
As mesmas medidas que conferiram ao Governo de Luís Montenegro a “aura” – prematura, sem dúvida, e ainda estamos para ver se incorreta… – de um executivo assertivo, que decide em vez de empastelar, que resolve em vez de complicar.
Num contexto de minoria, apertado à direita pelos 50 deputados do Chega, e à esquerda pelo PS, quem pode censurar os portugueses por terem acreditado que Montenegro e a sua ministra da Saúde, Ana Paula Martins, seriam capazes de trazer alguma normalidade ao sector da Saúde ainda antes da discussão do primeiro Orçamento do Estado.
O choque está precisamente aqui: entre a expectativa e a realidade. O SNS não é um problema que se resolva com PowerPoints, folhas de Excel, ideias não testadas, mudança forçada de altos quadros ou boa vontade. Sobretudo, não se resolve depressa.
A linha de defesa – agora, que há urgências fechadas e grávidas em maus lençóis por falta de atendimento atempado – é a de que os problemas vêm dos governos PS e que houve muito pouco tempo para fazer mais. É justo. E é o jogo da política. Faz parte. Mas é também sintomático que o mais forte uso da defesa “não olhem para nós, olhem para o governo anterior” tenha sido na área da Saúde.
A leitura óbvia é que a equipa de Luís Montenegro, ministros e conselheiros, subestimaram largamente a realidade do problema na Saúde e a sua capacidade ou ideias de como o resolver. E quando um governo choca de frente com a realidade é sempre o Governo a ir parar às urgências. Se estiverem abertas.