Antecedido por uma declaração pública do ministro do Ambiente, o Governo da República autorizou a Força Aérea Portuguesa (FAP), no dia 18 de maio, a adquirir 12 sistemas de aeronaves não tripuladas (UAS) Classe 1 para vigilância aérea adicional. Uma despesa de 4,5 milhões de euros oriundos do fundo ambiental, com o intuito de reforçar o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) 2020, a partir 1 julho, data de início do período de nível de empenhamento reforçado (nível IV). Decorridos já 40 dias dessa data, apenas se conhece o voo de um aparelho em testes.

A Resolução do Conselho de Ministros (RCM), que consagra essa autorização, considerava “urgentes e de interesse público os procedimentos de contratação pública a realizar no âmbito da presente resolução, de maneira a assegurar a disponibilidade de utilização das UAS, em momento anterior ao nível de maior empenhamento operacional reforçado”, entenda-se antes de 1 de julho. Na prática a RCM abria a porta a um procedimento por ajuste direto.

No dia 9 de junho, a FAP abriu um concurso por convite limitado a três empresas nacionais, apresentando-lhes um caderno de encargos. Um consórcio de empresas altamente qualificado e com provas dadas em Portugal e no estrangeiro veio contestar os parâmetros do convite e do caderno de encargos, alegando apontarem para uma solução única e à medida. Por considerarem não estar reunidas as condições para a apresentação de uma proposta, dadas as fortes suspeitas de favorecimento, optaram por não responder ao convite.

No dia 3 de julho, já depois do início do período crítico de incêndios, quando os aparelhos já deviam estar a operar, é assinado o contrato, com a única empresa que apresentou proposta, o qual previa a primeira entrega no dia 10 de julho de dois sistemas, a segunda entrega, no dia 17 de julho de mais quatro sistemas, e a terceira entrega, no dia 2 de agosto, dos restantes seis sistemas. Ou seja, a entrega final seria efetuada mais de um mês após o início do período de nível IV (1 de julho). Contratualmente, toda a formação teria de ser dada até ao dia 10 de julho.

O planeamento previa três bases de operações (Lousã, Macedo de Cavaleiros e Monchique), e uma base de formação e treino (Ota). Surpreendentemente, no dia 17 de julho, exatamente no dia em que deveria ter sido feita a segunda entrega (mais quatro aparelhos), o ministro da Defesa anuncia, com pompa e circunstância, que a 21 de julho estariam dois drones a voar a partir da Lousã, e que em 10 dias seguiriam mais dois a partir de Monchique e outros dois a partir de Macedo de Cavaleiros. Mas nada aconteceu. Nem as bases foram ativadas, nem houve voos operacionais.

No dia 1 de agosto, o contrato foi publicado no Portal Base, infelizmente amputado de três peças processuais fundamentais para a sua cabal compreensão, mas que fazem parte integrante do contrato de acordo com a sua Cláusula 1.ª, a saber, o convite, o caderno de encargos e a proposta da empresa.

No dia 4 de agosto, quando era suposto já terem sido entregues todos os 12 sistemas (drones e restantes equipamentos do segmento terra necessários para o seu funcionamento, incluindo links, viaturas e atrelados), numa operação de desinformação, é feita a apresentação de três aparelhos e a realização de um voo de teste de um drone no aeródromo da Lousã, com a presença dos ministros da Defesa e do Ambiente, da Secretária de Estado da Proteção Civil e do CEMFA, amplamente registada e difundida por uma Comunicação Social embevecida por tamanha proeza, cúmplice de uma trama despudorada.

Ninguém se atreveu a perguntar se já tinham sido entregues todos os sistemas contratados, uma vez que o prazo de entrega tinha expirado, ou quantas horas de voos operacionais se tinham realizado, uma vez que ainda não há registo nem notícia de que tenham ocorrido.

Na ocasião, os responsáveis da FAP entraram em contradição com as afirmações do ministro da Defesa. Afinal o sistema não começou a funcionar nos finais de julho, como referiu o Dr. João Cravinho. A base da Lousã estará, eventualmente, operacional a 17 de agosto, e as outras duas bases a partir de 31 de agosto. Esperemos que entrem em funcionamento antes do final da época dos fogos.

As duas semanas de atraso no funcionamento do sistema (que na realidade serão pelo menos dois meses) foram justificadas pelo ministro da Defesa pelas necessidades de “aperfeiçoamento das máquinas” (sic), mas também pela necessidade de formação (que deveria ter terminado a 10 de julho).

Em termos práticos, podemos afirmar que o contrato não foi cumprido. Ou seja, não há drones a vigiar a floresta e as bases de operação não foram ativadas. Um sistema de vigilância, que custou de 4,5 milhões de euros aos cofres do Estado, que deveria estar a operar desde 1 de julho, não está a funcionar. E agora surge uma nova data: 31 de agosto. Isto é dois meses de atraso em relação ao estabelecido na RCM.

Estes desenlaces levantam-nos um conjunto de interrogações incontornáveis: Porque é que só no dia 18 de maio, apenas um mês e meio antes do início do nível IV, o Governo ordenou a aquisição dos meios aéreos? Não podia ter sido feito antes? A época dos fogos era imprevisível?

Porque é que não foram os serviços do MDN a processar a aquisição e se “chuta” o problema para a FAP? Não faria mais sentido ser o MDN ou o MAI a adquiri-los? A 4 de agosto, o equipamento contratado já tinha sido todo entregue? E a formação foi toda realizada? A FAP vai acionar as penalizações por atrasos nas entregas, falta de “aperfeiçoamento das máquinas” e atraso na formação? Os aparelhos vão ser apenas destinados à vigilância de incêndios no DECIR 2020, como está no contrato, ou estão alguns destinados a outros objetivos, neste e nos anos vindouros?

Seria injusto não tirar o chapéu à competência do Governo em matéria de propaganda, ou se quisermos, em matéria de Comunicação Estratégica, como se diz agora, pela forma como tem vindo a iludir os portugueses nesta matéria e como conseguiu neutralizar qualquer pensamento crítico da Comunicação Social relativamente ao que está a ocorrer. Ao invés do que seria esperado, o Governo presta-se a encobrir o incumprimento do contrato, lançando poeira para os olhos dos cidadãos. Com papas e bolos se enganam os tolos.