Vamos neste artigo de opinião falar da “legitimidade” do investimento chinês em outros países, incluindo a tecnologia 5G, a nova geração da rede sem fios. Levanto aqui esta questão, atendendo à pressão diplomática, diria melhor, pouco diplomática dos EUA em relação a países, entre eles, Portugal, acerca do investimento chinês em geral e, de modo particular, à tecnologia 5G.

Convém recordar que este tipo de actuação diplomática é intrínseco ao ADN dos EUA. Sempre fizeram pressão, única e exclusivamente em favor da sua estratégia de domínio do Mundo. Agora, é em relação à China. Antes, aquando da URSS, era em relação a esta. E, recuando algumas décadas ao tempo de De Gaule, a França era mal vista aos olhos da América (e não só) por ter algum entendimento autónomo com a então URSS.

Não nos podemos esquecer de que há bem pouco tempo, em finais de 2018, por ocasião da visita de XI Jinping a Portugal, este mesmo tipo de pressão diplomática fez-se sentir, no sentido de impedir qualquer eventual acordo no âmbito da “Nova Rota da Seda”, iniciativa designada como “Uma Faixa, Uma Rota”.

E há menos tempo ainda, a ANACOM recebeu a visita de uma comitiva norte- americana “a alertar para os riscos do 5G e sobretudo os associados a alguns fabricantes, caso da Huawei”, como se depreende da entrevista do seu presidente ao caderno Economia do “Expresso”, em 23/03/2019.

Mas agora parece existir alguma “rebeldia”. A pressão dos EUA tem vindo a perder eficácia, embora uns quantos países seguidores já tenham rejeitado acordos com as empresas chinesas no 5G. Ora, todo o investimento de um país noutro deverá assentar numa base de cooperação mútua, entendida no sentido de que envolva vantagens e benefícios de toda a ordem, estratégicos, económicos, sociais, de desenvolvimento, para os dois lados.

Mas revisitando um pouco a história, o conceito de “cooperação” para os EUA assentou mais em exigências unilaterais do que em acordos de mútuo interesse. A arma dos EUA sempre foi mais inclinada para os lados da chantagem/ameaça. Aliás, a entrevista recente do embaixador americano em Portugal acerca da OPA da EDP é bem a prova. E Portugal respondeu de forma digna a esta entrevista/intromissão pelo ministro Santos Silva.

Mas também tenho lido que há gente da política e académicos aqui em Portugal que alinham e aceitam, sem reservas, esta postura americana, em detrimento de alguma ponderação sobre os interesses e conveniências nacionais.

Há quem ache que o relacionamento com a China, para lá do croquete, e, sobretudo, acordos sobre o 5G, pode fazer perigar a democracia e a segurança (cibersegurança), fazendo vista grossa, por exemplo, ao que se tem passado com empresas tecnológicas americanas como o uso ilegal de dados do Facebook de cerca de 50 milhões de utilizadores americanos pela Cambridge Analytica para manipulação de processos eleitorais, Brexit, etc.

As razões objectivas desta pressão, sobretudo quanto à nova tecnologia do 5G, a que está associada a Huawei, consistem em estancar/impedir os avanços tecnológicos da China neste domínio, com o pavor de que venham a perder definitivamente a posição cimeira nas tecnologias do futuro e rapidamente deixarem de ser o número um da economia e da política mundial.

Esse é o grande medo dos EUA – perder o controlo dos instrumentos tecnológicos que lhe permitam continuar a influenciar o Mundo de forma determinante. O acenar com o perigo da democracia é poeira. Já lá vão os tempos da Guerra-Fria, ou melhor, dito de outro modo, a guerra fria actual assume outros moldes e passa muito pelos domínios das novas tecnologias.

Quem vai deter mais poder no futuro? Eis o problema.

A China com Xi Jinping tem bem traçadas as metas para se constituir em 2049 “na maior potência económica e política do século XXI”. Se vai conseguir? Não sei. O seu grande objectivo é comemorar, em 2049, os 100 anos da Revolução Chinesa na frente, como maior potência mundial. E estas metas assim tão claras, os avanços tecnológicos e a baixo preço, estão a intimidar os EUA. Há que recorrer a tudo para travar este potencial avanço por parte da China.

A Europa, embora ainda muito na dependência dos EUA percebe, ainda que com receio de desagradar, que, se não explorar este filão com a China, pode atrasar-se tecnologicamente vários anos e tornar-se perdedora em várias frentes.

Por outro lado, percebe que o desenvolvimento económico e tecnológico está a pender para a zona da Ásia/Pacífico. Quase diria tratar-se de uma tendência imparável que tem, por seu lado, o que costuma dizer-se “a paciência do chinês” para o conseguir, e não nos podemos esquecer que a China e a Índia estiveram na vanguarda do Mundo durante 1.800 anos e que só em 1820 a Europa lhes passou à frente, com os EUA em segundo lugar, até tomar a dianteira no pós primeira guerra mundial.

Há quem chame a este “recente período de relativo sobredesempenho do Ocidente, quando comparado com outras civilizações, uma assinalável anomalia” que “tende a extinguir-se naturalmente”. Interessante a este respeito ler: “A Queda do Ocidente? Uma Provocação”,  de Kishore Mahbubani, um diplomata de Singapura.

Se a China introduzir algumas inovações na sua estratégia e começar a oferecer melhores condições de acolhimento das empresas estrangeiras no seu espaço económico (reciprocidade), a situação do investimento chinês vai acelerar-se.

E o que é real é que já pensa em criar organismos de regulação para determinadas áreas, entre elas a das comunicações, isto é, está a pensar em jogar com os mesmos instrumentos que o Ocidente, eventualmente com melhor eficácia, o que a dar-se, deita por terra todo e qualquer argumento.

Os EUA têm a noção exacta do perigo que correm. Mas esse é um problema dos EUA. Este medo (e não o perigo da democracia estar em causa) é que é o motor de toda esta pressão sobre os restantes países. Mas, de certeza, muitos países avançados não vão deixar-se arrastar por esta onda de pressão americana porque é determinante a cooperação com a China para não se atrasarem no tempo ou até recuperarem algum atraso existente.

Os EUA estão em perda económica e tecnológica, o que também ajuda a decisão de muitos países (porque cooperar com alguém em perda?) e, no actual contexto de ambiente Trump, a situação é ainda mais favorável para algumas tomadas de decisão “rebelde”, apesar de várias hesitações por exemplo ao nível de topo da UE.

Além disso, cada país tem a sua história e a cooperação diversificada é fundamental ao seu relacionamento e projecção no Mundo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.