O divórcio entre a Igreja Católica e as pessoas marcou as últimas décadas – até à eleição de Francisco. O fim do comunismo e do bloco soviético deixara o Vaticano sem referências e o mundo sem bússola moral. O extremismo de direita e o wokismo, filhos de ideias menores que alimentam as redes sociais, ocuparam o centro do debate e das instituições, menorizaram o humanismo, colocaram a prepotência, a vaidade e a ganância como valores universais.
O Papa Francisco assumiu desde o primeiro dia o combate à serpente da indiferença. Deu a voz aos mais fracos e vulneráveis, aos marginalizados, pôs o ser humano – singular e plural – no centro das ações do Vaticano. Abriu a porta a todos e definiu um padrão de comportamento que serve como referencial de esperança à humanidade no preciso instante em que tudo desaba. Católicos e ateus reconhecem a força transformadora do olhar de Francisco, um olhar que nos pede (digo: exige) continuidade. Os empresários e os gestores têm, neste capítulo, uma responsabilidade maior, porque o que decidem e fazem multiplica consequências positivas e negativas.
O capitalismo é uma poderosa força motriz que, sem limites, exprime impulsos destrutivos e fatais. A exploração das pessoas e do ambiente, a desigualdade salarial e a discriminação são falhas que corroem e insensibilizam o mundo. A certa altura, o surgimento de fundos de investimento balizados por princípios éticos – à semelhança do que já acontecia com o fundo soberano da Noruega –, além de algumas (poucas) plataformas de economia solidária, sinalizou uma mudança de atitude que se revelou de pavio curto. O regresso de Trump comprometeu o longo caminho ainda a percorrer – BlackRock, Fidelity Investments, State Street Global Advisors e Vanguard atiraram para o lixo o ESG; e muitas outras multinacionais estão a seguir o mesmo caminho obtuso.
O grande retrocesso está a acontecer bem à frente dos nossos olhos e os media têm responsabilidade neste recuo. Não fizemos suficiente pressão sobre as empresas globais para sublinhar a traição descarada aos valores humanistas. Falhámos. Optámos por dar mais voz aos poderosos e aos cortesãos do poder, como se estes vencedores do momento tivessem alguma razão do lado deles. A morte de Bergoglio é, por isso, uma bifurcação civilizacional: este luto exige ação. O que compramos e escolhemos, quem elegemos e endeusamos definirá o que somos e o mundo que vamos ter.