A audiência do Presidente da República a 40 influencers dos meios digitais reproduziu, a uma escala mais baixa, a algazarra que acolheu a nomeação do jornalista João Miguel Tavares para presidir às comemorações do Dia de Portugal. Como se costuma dizer, e sem ofensa para os simpáticos animais, até os burros aprendem. Ainda assim, ‘decisores’, ‘políticos’, ‘intelectuais’, ‘analistas’ e outras figuras do regime voltaram a sentir-se desconfortáveis. Alguns, os menos preparados, não se contiveram outra vez. Falaram. Os mais incompetentes até desabafaram nas redes sociais, onde poucas pessoas os seguem ou lêem – ao contrário do que acontece com o conjunto de portugueses agora chamados ao palácio.

Como vamos comprovando, o país tem demasiados candidatos a DDT’s (Donos Disto Tudo). E, sobretudo, as chamadas elites, além de saberem o que é melhor para todos os outros portugueses, fizeram o favor de dividir a sociedade em zonas demarcadas. A banca entregue aos bancários, perdão, aos banqueiros. O dinheiro destes, que é o nosso, entregue aos traficantes de influências, perdão, aos gestores e empresários. Os políticos, coitados, entregues aos chefes. Os artistas sem público entregues aos subsídios. A solenidade do Estado entregue à Academia e esta entregue à oligarquia própria. A cada qual o seu avental. E no fim da interminável cadeia, como sempre deve ser, os simples entregues ao trabalho e felizes por poderem passear aos sábados nos centros comerciais.

Nesta realidade, é compreensível a irritação com o Presidente Marcelo, homem de selfies com qualquer um, assíduo de praias e outros locais públicos, frequentador de desgraças, distribuidor de afetos, homem com tão pouco critério que até o imaginamos capaz de colocar um padeiro de Portalegre a servir chá aos eleitos da República. Um horror, “o Marcelo”.

A intelligentsia nacional bem que nos tenta guiar. Por exemplo: a abstenção é lamentável – mas pior ainda é votar em certos partidos; devemos estar informados – mas é horrível que o sejamos através de determinadas marcas; a Justiça tem de funcionar – mas convém não lhe dar autonomia e meios demasiados; todos os cidadãos são iguais – mas, como dizia a velha senhora, “cada macaco no seu galho”. O rol de avisados conselhos é interminável.

Marcelo Rebelo de Sousa parece apostado em destruir este equilíbrio vigente, e com presumível demoníaco divertimento. Trata todos os portugueses da mesma forma, seja qual for a sua actividade, a posição social e o que fazem para ganhar a vida no mercado existente. Ora a Democracia não será compatível com este escândalo de gastar quatro horas a falar alegremente com gente brejeira quando há tanto sábio nacional, estudioso e denso, capaz de aceitar sacrifícios vários em nome da Nação.

Ao contrário de todas estas doutas inquietações, e outras tantas irritações, acredito que o Presidente da República faz bem em democratizar a vida pública portuguesa abrindo as portas e as janelas do Estado a toda a gente, mesmo a pessoas que não conheço, muitas das quais nunca ouvi falar, e que, julgo, não me influenciam rigorosamente nada.

Se quisermos ver mais longe até podemos descortinar que Marcelo Rebelo de Sousa, com a sua forma original de interpretar o cargo, está a estimular  uma sociedade melhor, mais aberta,  interessada com o funcionamento das instituições. É um Presidente popular e ainda bem. Gente chata, instalada, que não se enxerga, já tínhamos, e continuamos a ter, em excesso.