O ciclone Idai devastou o sudeste africano e não há nenhuma imagem que nos fique indiferente. As perdas humanas são incalculáveis e os prejuízos económicos e financeiros são ainda inestimáveis. Tudo indica que será tarde para limitar o escalar da devastação.

Os desastres naturais, independentemente das suas origens, pertencem ao nosso presente e marcarão, sobretudo, o nosso futuro. Mas que consequências socioeconómicas deles advêm e como podemos evitá-las? Que lições se devem tirar para futuro? Será demasiado cedo para se exigirem soluções políticas? Ou, com eventos destes em todo o mundo – e quase todos os dias –, não será sempre demasiado tarde?

A necessidade de se analisar o impacto económico das catástrofes não parte da economia em si mesma. A busca de respostas que melhorem a assistência às economias em situação de catástrofe é uma exigência social. Sem o fazermos, arriscar-nos-emos a dar cumprimento àquela expressão que todos conhecemos, mas que frequentemente parecemos ignorar: vivam onde viverem, os mais afetados pelas alterações climáticas serão os mais pobres (que não estão em condições de custear prémios de seguros).

As operações de salvamento e as ajudas humanitárias serão, permanentemente, absolutamente essenciais para a preservação da vida humana e, sobre isso, pouco há a opinar. Mas o que fica, quando já não há ninguém por resgatar, ou quando as atenções se desviam para outros lugares?

Depois dos furacões de 2017, um terço do total das 4.000 vítimas mortais registadas em Porto Rico deveu-se a atrasos ou a interrupções nos cuidados médicos, na sequência das catástrofes. Importa também recordar que as perdas económicas na Domínica ascenderam a 224% do seu PIB – ou seja, que se perdeu mais do dobro da sua produção nacional anual. Na ilha de Barbuda (Caraíbas), ficaram danificadas 95% das habitações. As consequências são claras, i.e., perpetuam-se as situações de miséria e de exclusão extremas que conduzem à perda de mais vidas humanas.

A estabilidade política e financeira das nações também depende da forma como são capazes de responder a circunstâncias limite. No médio e longo prazo, isso implica um enorme esforço de reconstrução de infraestruturas públicas, mas também de habitações, indústrias, comércios e serviços. Porém, 70% das perdas globais devidas a catástrofes naturais não estão seguradas – o valor total de perdas não cobertas por seguros ascendeu a 1,3 triliões de dólares nos últimos dez anos.

Todos conhecemos as consequências desta diferença entre os valores danificados e os valores segurados. Perante essa realidade, assistimos, nos últimos anos, a um arrastar de responsabilidades por parte de um Estado que, face aos incêndios de 2017, estimou o valor da vida humana em 70 mil euros. Ainda hoje vemos como a reconstrução tem sido lenta e penosa, condenando verdadeiros inocentes à perda da esperança e à pobreza.

Não haverá outra forma de responder a riscos inevitáveis que não seja encurtar este défice de proteção recorrendo, preventivamente, aos mercados financeiros. Arriscarei dizer que praticamente nenhuma sociedade terá capacidade para – sozinha – responder digna e adequadamente à gravidade dos fenómenos extremos que se anteveem.

É precisamente por isso que noutras geografias se começaram a desenvolver soluções de mercado para este défice de valores segurados. O que quer isto dizer? Que a solução para a mitigação de riscos está, como habitualmente, nos mercados financeiros – desde que haja coragem para a implementar.

A realidade é clara. Uma fração considerável das populações não está sensibilizada para as questões do risco ou não tem condições para aceder a seguros. Há também riscos que nenhum segurador, por si só, poderá assumir. Como quaisquer outras,  uma das funções das empresas do sector segurador é garantir lucros aos investidores, pelo que não sobreviveriam se fossem forçadas a fornecer determinadas coberturas a preços acessíveis. Tal situação configura uma falha de mercado a que o Estado tem de responder.

A inovação financeira permite-nos hoje aliar diversos objetivos de proteção social com mecanismos de mercado capazes de os garantir. As melhores experiências internacionais demonstram-nos que é possível estabelecer parcerias com o sector privado, para segurar eventuais perdas no PIB resultantes de catástrofes naturais.

Estas soluções permitem segurar em conjunto – em pacote – as estimativas para a diferença entre as perdas potenciais e os valores segurados pela sociedade civil. Esses ativos financeiros são depois transferidos e dissipados nos mercados financeiros internacionais através de resseguros, ou seja, seguros (sobre os seguros originais) contraídos junto de outras instituições. Tais mecanismos previnem a concentração de riscos e possibilitam a sua minimização, diminuindo o esforço financeiro imputado a cada segurador individual e privilegiando a estabilidade do próprio sistema.

Existe, pois, potencial nos mercados para que sejam absorvidos os riscos inerentes a catástrofes naturais. Em Portugal, a Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro defendeu recentemente a criação de um fundo que envolva as seguradoras e o Estado para cobrir os riscos habitacionais de quem não pode contratar seguros.

Esta iniciativa iria ao encontro das melhores experiências internacionais – tais como o mecanismo de reação a terramotos na Califórnia (financiado por privados mas com gestão pública) ou o “Flood Re” no Reino Unido (negociado ao longo de 15 anos entre o Estado e as seguradoras e que responde perante cheias cada vez mais frequentes).

Poderá ser este um bom primeiro passo para prepararmos o futuro? Importa estarmos atentos.