“A democracia é o pior dos sistemas, com exceção de todos os outros”, ensinou-nos Winston Churchill. A frase está muito batida, mas continua a servir para nos recordar que o sistema democrático encerra muitas imperfeições e, ainda assim, é melhor que todas as outras formas de governo. Desde logo, porque dá a possibilidade aos cidadãos de decidir sobre o seu destino coletivo.

Uma das imperfeições da democracia é não ser omnipotente. Sabemos, até pela experiência portuguesa, que o sistema democrático não garante, por si só, prosperidade económica e justiça social. Ou, pelo menos, prosperidade económica e justiça social para todos. Há, historicamente, democracias mais bem-sucedidas do que outras na promoção do crescimento económico e na dignificação das condições de vida.

Contudo, muitos autores defendem a tese clássica de que a democracia favorece a prosperidade. Isto porque, à partida, as democracias promovem transparência administrativa, alternância política, instituições independentes, liberdade económica e checks and balances entre poder executivo, legislativo e judicial. Desta forma cria-se um ambiente propício ao investimento, ao emprego e à inovação, fatores críticos do crescimento económico.

Acresce que a participação cívica, a liberdade de expressão, a independência dos media e a realização de eleições permitem uma maior fiscalização, escrutínio e responsabilização dos governos. Logo, maiores probabilidades de implementação de boas políticas públicas e de medidas que incentivem o crescimento económico. Além disso, as democracias tendem a proteger melhor os direitos de propriedade, a garantir regras de concorrência mais claras e a assegurar a competição livre e justa entre os agentes económicos.

De facto, ao longo da História, o sistema democrático mostrou-se particularmente compatível com o crescimento económico e a distribuição social da riqueza produzida. Tanto nas cidades-Estado gregas como nas sociedades industrializadas do pós-guerra, a democracia floresceu e consolidou-se como resultado do progresso material. Por outro lado, a prosperidade económica amplia as possibilidades de escolha, ao mesmo tempo que desperta preferências e expectativas de desenvolvimento nem sempre realizáveis. Ainda assim, o equilíbrio entre recursos disponíveis e aspirações coletivas tem sustentado a legitimidade da democracia como instrumento para o bem comum.

As instituições como fator decisivo

No entanto, há exemplos no mundo atual que contrariam esta tese clássica. O exemplo mais gritante é o da China, país que, sob um regime autocrático, registou um crescimento económico sem precedentes, retirando centenas de milhões de pessoas da pobreza. Um outro gigante, a Índia, está atrás da China em praticamente todos os indicadores económicos e de bem-estar. Mas é considerada a maior democracia do mundo. O sucesso económico da China deve-se, essencialmente, a uma administração pública que consegue combinar elevados níveis de eficiência e produtividade com um forte controlo político-ideológico. Este tipo de sistema pode ser muito eficaz, mas não é particularmente democrático.

Daqui se conclui que a democracia, per se, não é a principal causa do crescimento económico sustentado e do bem-estar social. Muitos autores defendem, por isso, que mais importante do que a democracia é a qualidade das instituições. Na obra “Porque falham as nações”, Daron Acemoglu e James A. Robinson (dupla Nobel da Economia em 2024, juntamente com Simon Johnson) defendem que o desenvolvimento não depende da geografia, da cultura ou da competência dos governantes, mas sim da natureza das instituições políticas, económicas e judiciais.

Países com “instituições inclusivas” – ou seja, que garantem direitos de propriedade, incentivam a inovação, permitem a mobilidade social e asseguram alguma distribuição do poder político – tendem a prosperar. Países com “instituições extrativas” – aquelas em que uma elite concentra o poder e a riqueza, impedindo a maioria de beneficiar dos resultados da economia – ficam presos em ciclos de pobreza e instabilidade.

As nações falham porque o poder político está concentrado em grupos restritos e estes criam instituições que vampirizam os recursos endógenos, obstaculizando a iniciativa privada, o investimento, o talento e inovação, o comércio livre e a competição de mercado. O que daqui resulta é fraco crescimento económico, desigualdades sociais e baixos níveis de bem-estar.

Não faltam, de resto, exemplos de países, em especial em África e América Latina, que formalmente são democracias, mas onde uma elite rapace e corrupta controla as instituições a seu bel-prazer. Assim como abundam exemplos de Estados autoritários economicamente eficazes porque possuem administrações públicas profissionais e relativamente incorruptíveis. Democracias que não conseguem assegurar instituições fortes podem, de facto, ser vulneráveis a clientelismo, corrupção e instabilidade.

Desafios às democracias europeias

É, no entanto, verdade que em democracia é mais fácil construir instituições fortes, independentes e com qualidade. Os sistemas democráticos tendem a produzir sociedades mais inclusivas e resilientes, apesar de nem sempre gerarem prosperidade imediata. As democracias oferecem melhores condições para a inovação, a criatividade, o debate de ideias, a mobilidade social e a inclusão. Possibilitam ainda uma distribuição mais equilibrada do poder e, deste modo, ajudam a reduzir as desigualdades sociais, ainda que este processo seja lento e variável entre países.

A relação entre sistema democrático e prosperidade económica não é, como vimos, linear nem automática: existem democracias pobres e ditaduras ricas. O fator decisivo pode, então, ser a capacidade do Estado (instituições eficazes, combate à corrupção, aplicação da lei, respeito pela economia de mercado), e não apenas o sistema político. Mas há questões que permanecem em aberto: será que o crescimento económico em regimes autoritários é sustentável a longo prazo sem abertura política? A prosperidade económica gera uma pressão inevitável para a democratização, ou pode coexistir indefinidamente com regimes autoritários? O potencial das tecnologias digitais para o controlo, manipulação e concentração do poder e, simultaneamente, para o crescimento e bem-estar não vai alterar profundamente a relação entre democracia e prosperidade?

Aqui chegados, uma dúvida nos assalta: que futuro para as velhas democracias da Europa? Em muitos países europeus, os sinais de degenerescência do regime são óbvios e os populistas preparam-se para tomar o poder ou já lá estão. Se a extrema-direita for governo em muitos dos Estados-membros da UE, será porventura difícil preservar a independência, equidade e transparência das instituições nacionais e comunitárias. Com a agravante de que, sem reformas profundas, a economia europeia vai continuar a perder em competitividade empresarial e inovação tecnológica para EUA, China ou mesmo Índia.

Acredito que a democracia liberal e representativa continua a ser o sistema político mais adequado para conciliar interesses diversos – individuais e coletivos –, tendo em vista a construção de políticas que satisfaçam o bem comum. Apesar de existirem sociedades iliberais materialmente bem-sucedidas, a democracia não é um sistema anacrónico nem pode ser descartável. Com todas as suas imperfeições, é o único sistema que, por se basear na livre expressão da vontade das pessoas, está em condições de satisfazer o bem comum e de defender a dignidade humana. Mas, no caso da Europa, parece-me que a vitalidade ou mesmo a sobrevivência da democracia depende da capacidade da economia para financiar o Estado social, num cenário de crescente envelhecimento demográfico.