Parece estar perto do fim (assim se espera) a provação por que todos passámos no último ano e meio. Encontros que ficaram adiados, viagens que ficaram por fazer, espectáculos a que não assistimos, abraços que deixámos de dar, entes queridos que partiram antes de tempo e dos quais não nos pudemos despedir, muito perdemos nos últimos dezoito meses. Bem podia a Providência Divina descontar este período no tempo que nos destinou de vida, pois não temos propriamente vivido, apenas andado por cá.

Os confinamentos a que todos fomos sujeitos e que causaram danos económicos e psicológicos de monta, foram, porém plenamente justificados. Foi dada prevalência à defesa da vida, valor supremo em qualquer sociedade assente em princípios humanistas, sobretudo da vida dos mais débeis que os mesmos princípios impõem que se defenda sem reservas. Uma sociedade que prolongou generalizadamente a existência, mas que parece não saber muito bem que lugar atribuir aos mais velhos, redimiu-se, de certa forma, desse pecado ao privilegiar a sua protecção.

A economia perdeu muito, mas os danos económicos são recuperáveis, ao contrário de cada vida que se perde. Não se tratando de uma crise gerada pelas disfuncionalidades do sistema, como em 2008, rapidamente regressará o crescimento, de que aliás, já temos sinais.

No que concerne aos problemas psicológicos gerados pelo fechamento da sociedade, o tempo tratará de curar os seus efeitos, sendo certo que as consequências a este nível seriam seguramente maiores e mais penosas caso se tivesse tomado a decisão de não confinar. A mortandade e a ruptura dos serviços de saúde que teriam ocorrido causariam certamente um impacte muito maior em cada um de nós e no corpo social.

É bem verdade que foram tomadas medidas de racionalidade questionável, avanços e recuos dificilmente compreensíveis, mas as autoridades merecem alguma condescendência, atendendo à urgência das decisões e ao seu ineditismo, pois foi necessário cumprir o calendário apertado imposto por este inclemente vírus e jamais os governos se haviam deparado com a tarefa de fechar uma sociedade inteira durante meses.

Foram também cerceadas algumas liberdades, mas esse constrangimento foi limitado no tempo, tendo sido logo que possível reposta a sua plenitude, revelando-se manifestamente exagerada a profecia alvitrada por alguns de que o próprio valor da liberdade estava em perigo. Com efeito, embora a sociedade civil deva permanecer sempre – e não apenas num contexto particular – vigilante na defesa dos seus direitos, a nossa democracia está plenamente consolidada, existindo sobre ela um amplíssimo consenso que inviabilizaria qualquer prejuízo permanente nas nossas liberdades, blindadas constitucional e socialmente.

Encaremos, pois, este interregno como um momento mau que a seu tempo será superado, na reconfortante convicção de que foi seguido o rumo certo, pois que evitou males maiores.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.