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‘Boca – River’: o dérbi que “distrai” uma Argentina em crise

Numa altura em que a Argentina atravessa graves problemas financeiros e se prepara para receber a cimeira do G-20, a final da Taça dos Libertadores entre Boca Juniors e River Plate “paralisou” o país e “caiu do céu” para o Governo de Mauricio Macri.
24 Novembro 2018, 13h30

Consegue imaginar que impacto teria uma final da Liga dos Campeões entre Benfica e Sporting, em Portugal? É precisamente isso está a acontecer no outro lado do Atlântico, em Buenos Aires, a capital da Argentina, entre os dois maiores rivais do futebol argentino, Boca Juniors e River Plate, que vão disputar a segunda mão da final da Taça dos Libertadores da América, agendada para dia 24 de novembro. A primeira mão, disputada no dia 10 de novembro, registou uma igualdade a dois golos.

“El SuperClásico” ocupa o primeiro lugar da lista elaborada pelo jornal “The Guardian” dos 50 eventos desportivos a que devemos assistir antes de morrer. O dérbi de Buenos Aires é considerado um dos maiores do mundo e onde a rivalidade é, muitas vezes, levada a níveis de violência fatais. Para evitar mais tragédias, em 2013 ficou definido que os adeptos de uma e outra equipa não podem entrar no estádio do adversário, interdição que se vai manter nos dois jogos desta final.

Os dois clubes nasceram no bairro de Boca, no sudeste da cidade, nos primeiros anos do século XX, então habitado por emigrantes italianos. Contudo, as semelhanças entre os dois terminaram logo à nascença. O Boca Juniors foi fundado em 1901 e os seus adeptos estiveram desde sempre ligados à classe operária oriunda das regiões italianas de Génova e Ligúria, o que lhes valeu a alcunha de ‘xeneize’ (a expressão que os argentinos usam quando se referem aos imigrantes genoveses).

Quatro anos depois surgiu o River Plate, cujos adeptos são conhecidos como ‘os milionários’, pelo facto de se terem mudado para o bairro de Nuñez, no norte de Buenos Aires, onde pontificava a classe alta e média-alta. A primeira mão será jogada no reduto do Boca Juniors, o ‘La Bombonera’ (a caixa de bombons devido à sua forma retangular) e por onde passaram, entre outros, Juan Román Riquelme e Diego Armando Maradona. O segundo encontro terá lugar no Monumental de Nuñez, que viu brilhar Hernán Crespo e Pablo Aimar. Uma final que ganha ainda mais importância por ser a última a ser disputada em dois jogos.

Além de “incalculável”, “caiu do céu” para o Governo argentino. Expressões usadas por Isaias Blaiotta, jornalista do diário desportivo argentino “Olé”, que em declarações ao Jornal Económico descreve o sentimento atual da sociedade argentina. “O país inteiro está paralisado. Canais de televisão e jornais não falam de nada, além da final da Libertadores. Até o presidente [Mauricio Macri] e os ministros se envolveram na organização. Ninguém queria este jogo”, refere. Antes das meias-finais, o próprio presidente afirmou que “preferia que a final fosse jogada pelas equipas brasileiras (Grémio e Palmeiras) para evitar este confronto”, afirma Isaias Blaiotta.

Nada desvia as atenções deste confronto, nem sequer a cimeira do G-20, que Buenos Aires irá acolher no final de novembro. Para Blaiotta, ainda “há pouco mais de um mês todas as notícias na televisão falavam da desvalorização do peso argentino, do aumento da pobreza, da crise na energia, de greves nacionais, do aumento das taxas de juros, de medidas a favor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Hoje só se fala do River-Boca. A menos de um ano das eleições, esta final foi um presente que caiu do céu para o Governo”, realça Isaias Blaiotta.

Uma curiosidade: Mauricio Macri, além de presidir aos destinos do país, também foi presidente do Boca Juniors entre 1995 e 2007. Durante o seu mandato, o clube conquistou por quatro vezes a Libertadores (2000, 2001, 2003 e 2007), e a primeira conquista levou ao triunfo na final da Taça Intercontinental frente ao Real Madrid.

Em 2015, Mauricio Macri foi eleito presidente da Argentina com 52% dos votos. “Entendem a importância do futebol neste país?”, questiona Isaias Blaiotta. Para o jornalista do “Olé”, o maior problema da crise prende-se com o aumento do dólar face ao peso argentino, que passou [um dólar] dos 25 para os 40 pesos (0,97 euros). “De uma forma geral, esta situação não está a afetar os clubes a 100%”, diz Blaiotta. “Implementou-se um sistema de contratos com um ‘teto’ salarial para o dólar, onde ficou definido que o seu valor será de 25, 26 ou 27 pesos para não terem de depender do valor cambial”, explica o jornalista.

Quem vencer esta final irá arrecadar cinco milhões de euros e o derrotado cerca de metade. Valores que podem duplicar face ao dinheiro já ganho pelos clubes nesta prova. A procura de bilhetes para esta final atingiu níveis nunca vistos, ao ponto de já terem surgido ofertas de oito mil pesos (cerca de 200 euros) para obter o ‘papelinho’ que permite a entrada dentro do estádio. Valores demasiado elevados nas atuais circunstâncias, tendo em conta que 200 euros equivalem a metade do ordenado mínimo naquele país.

Após 94 encontros desde 1913, em que o Boca soma 35 vitórias, o River 26 triunfos, com 33 empates pelo meio, as duas equipas começam a jogar no próximo sábado a final mais importante da sua história e a segunda desta época, após a supertaça argentina jogada em março, com a vitória do River Plate por 2-0.

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