Há duas semanas, e na sequência do ataque aos dois petroleiros no Médio Oriente, escrevi sobre as semelhanças na abordagem de Trump aos persas e aos norte-coreanos, numa estratégia de intimidação, sufoco e progressiva tentativa de isolar o inimigo, forçando-o a tomar a via das negociações (de preferência com uma capacidade negocial severamente enfraquecida).

Este Domingo marcou mais um ponto simbólico nas relações EUA-Coreia do Norte, mas cujo significado e resultado prático é ainda uma incógnita.

Depois dos habituais auto-elogios a seguir às cimeiras com Kim, a verdade é que a situação na península coreana pouco se alterou como resultado da acção de Trump, como, aliás, fica provado no compromisso de “retomar conversações” que saiu do encontro deste fim-de-semana. Na realidade, as maiores alterações foram a sul do paralelo 38, com a redução dos exercícios militares conjuntos entre EUA e Coreia do Sul.

Muito como os dois anteriores encontros entre estes caricatos líderes de penteado pouco comum, o deste Domingo pareceu maioritariamente orquestrado como um evento de relações públicas, mais uma oportunidade de conseguir flashes possivelmente históricos, o mais recente episódio na campanha de Trump para ganhar o Nobel com que Obama foi agraciado. Mas, mais uma vez, é Kim quem parece ficar melhor na fotografia ou, pelo menos, conseguir obter com ela mais dividendos.

Trump, não se podendo ignorar o marco histórico de ser o primeiro presidente americano a pisar solo norte-coreano, fá-lo sem qualquer substância em que assente tal encontro; aliás, como tem vindo a ser recorrente na sua estratégia diplomática, os encontros com líderes ocorrem para iniciar conversações, e não ao fim de uma longa maratona negocial entre equipas de ambos os lados (sintomático deste não-processo é o convite feito pelo Twitter para o encontro na zona desmilitarizada, como se de um simples convite para tomar uns copos se tratasse).

E, com o estagnar de processos como a desnuclearização da Coreia, o novo acordo comercial com a China ou, pior ainda, o escalar de tensões com o Irão, Trump, com uma eleição à porta, precisa de mostrar as suas fantásticas capacidades negociais, que, segundo o que prometeu ao povo americano, os iriam fazer “ganhar tanto que até iriam ficar fartos de ganhar”.

Além disso, Trump tem fornecido a Kim Jong-un plataformas para ser visto internacionalmente como seu semelhante, o líder de um poderoso país que faz comichão aos americanos e que é convidado para cimeiras transmitidas globalmente.

Ora, tal poderá ser uma estratégia válida e até mais eficiente do que os sufocos de administrações passadas, que pareciam só levar os esforços nucleares dos coreanos mais avante (até porque serviram várias vezes como um bom trunfo negocial em troca de ajuda humanitária), mas terá de ser consubstanciada com progresso real e efectivo, incluindo uma clarificação de ambas as partes sobre o que realmente entendem por “desnuclearização”.

Os próximos meses serão decisivos para avaliar o verdadeiro impacto deste momento televisivamente histórico. Um bom sinal para o processo terá sido a não ida de John Bolton ao encontro, ele que, em análises passadas para a Fox News, repetidamente troçou dos líderes americanos por acharem que a via negocial funcionaria com os Kim. Até lá, pode ser que Jong-un aceite o convite de Trump e faça história mais uma vez ao visitar a Casa Branca. Sim, porque, como qualquer estrela de TV sabe, “the show must go on”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.