As negociações dos Orçamentos do Estado para 2021 começaram em Portugal e na Europa, e este é um bom momento para avaliar em que ponto estamos em termos de perspetivas fiscais.

No meio de uma crise sanitária com impactes económicos e sociais potencialmente severos, os governos europeus têm vindo a posicionar-se no centro da estratégia de contenção da crise no mercado de emprego, e também da recuperação económica, autorizando maiores défices e, consequentemente, maior endividamento publico. Mais Estado, portanto. Contudo, esta estratégia pode constituir uma perigosa armadilha, pela própria natureza da crise, e alimentar um ciclo vicioso de sobre-endividamento, austeridade e consequentes quedas na atividade.

Tendo isto em mente, a União Europeia preparou um plano de recuperação que parcialmente financia o esforço dos Estados mais fragilizados, como Itália, Espanha ou Portugal. Mas mais Estado, exige também mais responsabilidade na aplicação dos fundos, que têm de ajudar na reconversão da economia. A consequência da dívida perversa poderá ser uma montanha de dívida soberana difícil de escalar nas próximas gerações.

A inevitabilidade do papel central do Estado para conter de forma eficaz o impacte da pandemia tem sido fulcral, e continuará a ser à medida que a Europa enfrenta agora uma segunda vaga na frente sanitária. Os estímulos fiscais atingiram até ao momento uma média de 5% do PIB ao nível da zona do euro, o que conjugada com os níveis de recessão, muitas economias do euro deverão registar défices acima dos dois dígitos percentuais.

As perspetivas relativamente à necessidade de estímulos não são mais animadoras em 2021, e as contas públicas poderão voltar a ressentir-se devido à reduzida perspetiva de receitas fiscais fruto dos efeitos económicos e sociais prolongados, que, no caso português – dada a exposição significativa ao sector do turismo – pode ser ainda mais severo.

Esta situação poderá levar, no limite, a um estrangulamento no acesso ao mercado de dívida soberana internacional, situação que o Banco Central Europeu tem evitado, adquirindo grande parte da emissão de títulos soberanos extra. Mas esta situação não pode durar eternamente, e se a pressão nos mercados financeiros aumentar, alguns países com dívidas elevadas poderão ver-se ser forçados a implementar outra rodada dolorosa de austeridade, semelhante a 2011/12, e meter-se no caminho da recuperação económica.

Ganham assim fulcral importância as várias medidas que a União Europeia está a lançar para conter e relançar a economia europeia, e que evitam que os Estados tenham de ir ao mercado financiar-se, das quais se destacam a linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM), que chega a valer  2% do PIB do agregado europeu, um fundo dedicado ao desemprego da Comissão Europeia de 100 mil milhões de euros, e 750 mil milhões de euros num Fundo de recuperação, parcialmente não reembolsável.

Estas medidas colocam as instituições e os Estados no centro não apenas da resposta social, como da reconversão das economias europeias. Mas estes fundos vão conviver com anos de menor ímpeto do BCE, no que diz respeito à compra de dívida, e, como tal, os Estados deverão gerir um delicado exercício equilíbrio, sobretudo em casos em que o endividamento se encontra em níveis potencialmente perigosos se a perceção de risco soberana se alterar um pouco.

Portanto, é fundamental que o dinheiro seja bem gasto. O aumento do investimento público em áreas bem direcionadas pode elevar o nível do PIB e aumentar o potencial de crescimento, o que também ajudaria a tornar a dívida mais sustentável. Mas deixar de gastar dinheiro bem significa que o dinheiro europeu só vai aumentar a pilha de dívida existente e, com possíveis tempos difíceis pela frente, constituir uma perigosa armadilha para futuras gerações.

Os governantes europeus devem por isso resistir às tentações orçamentais eleitoralistas, e focar-se em utilizar estes fundos para reorganizar as economias e apoiar a criação de empregos sustentáveis em sectores com futuro, incentivando a iniciativa privada. Bem como permitir um novo pacto social, imbuído nos valores europeus, e não nos sentimentos eurocéticos e populistas.