“O inimigo do meu inimigo meu amigo é”. Este provérbio, que data do século IV a.C., tem servido de lição e de razão para muitas ligações improváveis, ou mesmo impossíveis, mas que se tornaram inevitáveis à luz das necessidades. O exemplo mais notório foi sem dúvida a união entre os chamados “Big Four” – EUA, Reino Unido, União Soviética e China – que permitiu derrotar os nazis e seus aliados na Segunda Guerra Mundial.

Em Portugal, em 2015, e sem que tal fosse remotamente previsível, tivemos um exemplo disso mesmo quando três partidos arqui-inimigos, PS, BE e PCP, se uniram para derrotar os seus inimigos comuns, PSD e CDS.

Tal sucedeu devido a dois factores primordiais, a começar pelo motivo. Não é preciso mais que do dois dedos de testa para perceber que a génese da geringonça foi Passos Coelho e sua entourage de imberbes políticos alucinados com um poder que nunca deveriam ter tido, por incompetência pura e inexperiência. Pedro Passos Coelho (PPC) e seus comparsas conseguiram duas proezas notáveis: pulverizar a direita e criar na esquerda, com destaque para o PCP, tamanho desdém que a ligação com o BE e PS passou a ser um mal menor.

Não reconhecer esta relação de causalidade é ficar preso no passado sem qualquer hipótese de vencer no futuro, como disse Sun Tzu, “se não te conheceres nem ao teu inimigo sucumbirás em todas as batalhas”. O segundo pilar da gerigonça foi a extraordinária habilidade de António Costa na gestão política, que foi menosprezada até às eleições, em parte por mim próprio, que logo a seguir às mesmas adjetivei Costa como o maior flop político da nossa história por não ter conseguido capitalizar o descontentamento popular e arrancar maior votação que a PàF.

Costa pode não ser ter sido bom na propaganda, mas limpou com mestria o jogo de secretária, com um golpe de cintura que poucos sequer anteviam e que deixou PSD e CDS a clamar por injustiça durante quase um ano, quando, na realidade, foram eles que perderam, foram eles os incompetentes por não perceberem a absoluta destruição deixada por PPC, não obstante ter herdado um legado de quase ódio ao PS, inclusive por BE e PCP, devido à governação de Sócrates.

A lenga lenga do costume na defesa de PPC é a de que não havia outra hipótese, pois bem hoje essa farsa foi desmontada por quase todos os intervenientes na austeridade de terra queimada, com excepção, claro, do próprio e seus acólitos. Na realidade havia opções, foi PPC quem explicitamente quis destruir para reconstruir, não tenha dúvidas caro leitor(a), e sendo teimoso levou tudo à frente, sem o mínimo de competência diga-se, porque há destruir e destruir, e o seu governo foi um autêntico talhante desenfreado sem qualquer coerência.

No processo pulverizou a direita, especialmente a maioria dos seus apoiantes que se reviam na ideologia de Sá Carneiro, com que me identifico significativamente, e não na de um neoliberal caído de pára-quedas em São Bento.

Volvidos perto de quatro anos, o país está um castelo de cartas, com contas manipuladas, deficit construído à custa de mais impostos indirectos e das cativações, delapidando as instituições públicas, deixando-as em ruptura recorrente, como a justiça, segurança, educação e o nosso ex-líbris, o SNS, ao mesmo tempo que, com uma máquina de propaganda eficaz, passa a ideia de um país mergulhado num oásis económico e social.

Pouco importa se este é o Governo mais nepotista de que há memória, ou que tenhamos andado a criar “escravos” que ganham o ordenado mínimo, ou que estejamos vergados à maior carga fiscal de sempre, ou que a propaganda da geringonça não passe de bazófias repetidas inúmeras vezes, ou que este Governo tenha inclusive continuado a destruir o que PPC não conseguiu. Nem sequer importa que BE e PCP tenham traído tudo o que prometeram ser por um punhado de moedas. Nada importa, sabe porquê?

Desde logo porque este governo não cumpriu a principal profecia de PPC, a bancarrota, depois porque os parceiros de geringonça, conduzidos com mestria pela batuta de Costa, se acomodaram a uma situação mais benéfica para eles, com jobs para muitos dos seus boys. Mas, principalmente, não importa porque, a poucos meses das legislativas, a direita está ainda mais fraccionada e enfraquecida.

E vai de mal a pior. O último D. Sebastião da direita é o movimento 5.7, uma mistura de projetos pessoais e um haraquiri dos que não querem a perpetuação da podridão que lavra no Governo. Ora vejamos, o líder do movimento não passa de um opositor de Rui Rio, absoluto desconhecido e sem qualquer credibilidade ou trabalho feito, a não ser, claro, ter sido assessor de PPC, ou seja, foi um dos que ajudou ao desmembramento da direita.

Depois, o movimento é secundado pela vice-presidente do CDS e pelo presidente da Iniciativa Liberal (I.L).

Desde logo assalta-me uma dúvida: como é que o CDS vai procurar entendimentos com Rui Rio para as próximas eleições se está representado ao mais alto nível num movimento de oposição ao próprio e ao PSD actual? Em relação à I.L, e não obstante alguma competência no destapar da farsa do milagre económico da geringonça, direi apenas que deu um valente tiro no pé e precisa primeiro de pensar numa estratégia mais coerente, começando por demarcar-se de um aproveitador e nulidade política como Miguel Morgado. Pior só mesmo a associação do D21 e do PPM ao Chega, que nem merece mais comentários, a não ser o que se faz por um tacho.

Como Capitalista Democrata, não sou de direita nem de esquerda, uns dizem que sou um radical de centro, talvez por ser radical na necessidade de lixar a estrumeira em que vivemos, mas em qualquer dos casos não tenho representação no espectro político e continuarei a não ter sequer qualquer vislumbre de um projecto que possa apoiar.

Como eu estarão muitos milhares, para não dizer alguns milhões, que voltarão a preferir a abstenção, o que me deixa um forte amargo de boca, porque, no final do dia, Costa e os seus comparsas terão a passadeira vermelha para mais quatro anos de estagnação, nepotismo e leis à medida de uns interesses. Já os verdadeiros donos do poder, os que andam por detrás do pano sem pisar o lodo de São Bento, continuarão a prosperar independentemente de quem estiver na cadeira do poder.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.