Embora a atenção mediática da influência da China na economia global se concentre, habitualmente, nos investimentos exteriores do país, como no caso da EDP, as empresas portuguesas veem-se também muito afetadas pelas decisões do governo chinês sobre outras variáveis da atividade económica.

Nesse sentido, as minhas atividades profissionais estão a sofrer grandes impactos como consequência do aumento de 40% no preço da pasta de papel, a nossa matéria-prima, decorrente da limitação na China da importação de papel recuperado; e da suspensão de fabrico dos equipamentos de telecomunicações do nosso fornecedor chinês, a ZTE, pela proibição de incorporação de tecnologia americana decorrente da sua aparente reexportação para o Irão.

É para mim evidente que a China é, neste momento, a chave da economia mundial, um verdadeiro elefante ou um dragão gigante que, por exemplo, fabrica em dois anos mais cimento do que os Estados Unidos em todo o século XX, ou que produz hoje mais aço que os quatro seguintes maiores produtores juntos. Embora pareça, por enquanto, não querer impor o seu modelo civilizacional, quer liderar o mundo através da sua economia e colocar os seus mandarins à frente das grandes decisões no mercado global, para comerciar nele, como nos tempos de Simbad o Marinheiro.

Mas, junto à China da Rota da Seda, existe a da Grande Muralha. A combinação de ambas as dimensões reforça o poder económico do país, alavancado neste momento num percurso análogo ao do Japão dos anos 70, com a substituição da produção barata por tecnologia e inovação. O mundo está a transitar do “Made in China” para o “Created in China” ou “Researched in China”, com a criação de um ecossistema digital próprio liderado por empresas como WeChat, Weibo, Baidu ou Alibaba, que são a contrapartida chinesa dos gigantes californianos e os paladinos da nova ofensiva tecnológica chinesa.

Os dirigentes chineses apreenderam com o erro de Gorbachev: não é possível liberalizar ao mesmo tempo a política e a economia. O comunismo caiu porque não podia financiar um exército poderoso, como consegue o capitalismo americano, pelo que decidiu dotar-se, em primeiro lugar, de um mercado para conseguir os meios que lhe permitissem, seguidamente, ir à conquista do mundo. O sucesso tem sido de tal dimensão que, em duas décadas, a economia chinesa atingiu um desenvolvimento comparável ao alcançado em dois séculos pelo mundo ocidental. Por isso, não está a ser fácil para as empresas e para as estruturas económicas do resto do mundo sobreviver à China.

É verdade que, depois de Tiananmen, o capitalismo salvou a China, mas também é justo reconhecer que, depois da crise de 2007, tem sido a China a salvar o capitalismo global através do empréstimo das suas poupanças para financiar o consumo dos produtos chineses. A dimensão e a estratégia chinesas têm sido, nesse sentido, proverbiais. Mas essa dimensão está agora a ameaçar os mercados mundiais e as nossas empresas, por via da aceleração dos processos schumpeterianos de destruição criativa próprios do capitalismo, até limites socialmente incomportáveis.

Em relação à estratégia, boa parte deste sucesso deve-se ao facto de a China ser o único país do mundo com um plano estratégico a cem anos. Não seria prejudicial para o nosso país copiar essa atitude e termos delineado, no mínimo, um plano para os próximos cinco anos.