Muitos portugueses não têm posição sobre a questão da independência da Catalunha. Na verdade, não têm que ter. Os catalães e porventura os (restantes) espanhóis são quem tem que formar uma opinião sobre a matéria, na justa medida em que são eles os diretamente afetados. É porém óbvio tratar-se de um assunto de grande importância também para Portugal e para a Europa, atraindo por isso a atenção de portugueses e restantes europeus. Assim, vamos observando, por vezes perplexos, as decisões tomadas e o desenrolar dos acontecimentos. Sendo certo que o tema é complexo e que não há soluções perfeitas, no atual contexto é difícil deixar de constatar que os erros se sucedem e que os principais prejudicados são os próprios catalães.

Primeiro, parece claro que o governo espanhol se deixou ultrapassar pelos acontecimentos. A reforma da organização territorial ou económica de Espanha é uma questão há muito pendente. Alguns defendem a evolução para um estado federal, abandonando as atuais comunidades autónomas. Outros bastam-se com a reponderação do peso financeiro da Catalunha no orçamento geral do estado. Sabendo-se que parte do fulgor do independentismo vem da circunstância de muita da riqueza produzida na Catalunha ser canalizada para outras zonas de Espanha, mitigar esta situação poderia ser uma solução.

A verdade é que outras lideranças espanholas souberam serenar tensões que não eram menos agudas do que a atual. Veja-se o caso do País Basco, que foi pacificado com acordos que envolveram compromissos por parte de Madrid. Rajoy, porém, viu o problema agigantar-se sem nada fazer a não ser declarar que não faria cedências, impor cortes à região e confiar que a bomba-relógio não lhe rebentaria nas mãos. Está à vista o resultado.

Em segundo lugar, das poucas coisas inequívocas em todo este processo é a ilegalidade do referendo convocado para o dia 1 de outubro. Ilegal por violar a Constituição Espanhola, o Estatuto Autonómico da Catalunha e até o regimento do parlamento autónomo catalão. A um político de outra craveira, isto bastaria para tirar o tapete a Carles Puigdemont, o presidente da Generalitat da Catalunha, e declarar a irrelevância da consulta pública. Como outros têm observado, o mais provável teria sido desincentivar assim a participação popular, o que contribuiria para o esvaziamento do referendo. Inversamente, Rajoy mandou a polícia de choque para a rua e foi o que se viu.

Dizer, como disse, que nada faria prever que as coisas escalariam àquele ponto é francamente alarmante. Das duas uma, se não previu efetivamente o que sucederia, os Espanhóis devem preocupar-se com a visão do seu chefe de governo que não antecipa o que todos os outros conseguiram antecipar. Se, como tudo leva a crer, previu e ainda assim ordenou as cargas policiais, é certamente um estratega com um longo caminho por percorrer. Nas ruas, todos falavam dos tempos de Franco. Seria difícil conceber uma estratégia que mais contribuísse para o fortalecimento dos sentimentos independentistas e que mais danos infligisse à posição do governo espanhol, tanto interna como externamente.

Como tudo isto evoluirá no curto prazo é difícil de prever. Neste momento, visão e bom senso parecem não abundar em Madrid nem em Barcelona que pretendem tentar vencer o conflito à bruta em vez de explorarem a hipótese de encontrar uma solução. Enquanto assim for, embora não haja ganhadores, há um perdedor inevitável, o povo catalão.