Munique, década de 70. Ali é um imigrante marroquino muçulmano que vive na cidade em condições miseráveis. Sabemos que partilha o apartamento com mais seis homens e passa o tempo livre num bar com alguns dos seus amigos árabes.
Uma noite conhece Emmi, uma viúva alemã, sexagenária e empregada de limpezas, que entrou no bar para se refugiar da chuva, e começam a conversar. Ambos, na sua solidão, acabam por encontrar conforto na companhia um do outro.
Emmi leva-o para sua casa e dá-lhe guarida. Reconhece uma bondade em Ali que lhe traz uma felicidade que há muito não sentia. “Estou tão feliz, mas também tenho muito medo”. Ao que Ali responde, “Medo não. Medo não é bom. O medo devora a alma”.
Nasce entre ambos uma ligação implausível. Aos olhos da sociedade alemã do pós-guerra, aquela relação está condenada ao fracasso e é uma afronta às convenções. Ali sente na pele a xenofobia e discriminação, os olhares de desprezo dos alemães que o maltratam de forma ostensiva.
O casal é marginalizado pelos vizinhos e comerciantes, criticado pelos próprios filhos de Emmi, ostracizado pela sociedade alemã em geral que já formou a sua opinião sobre Ali e o encara como um estrangeiro que se está a tentar aproveitar de uma viúva.
A história que acabo de partilhar está contada no filme “Ali, o Medo Devora a Alma” do realizador alemão Rainer Fassbinder. É uma história de amor que desafia as convenções e não escapa a um certo tom satírico. Fassbinder está familiarizado com os sentimentos da sociedade alemã em relação ao outro, ao estrangeiro, mas o filme também surpreende pela ternura e beleza da relação entre Emmi e Ali.
O seu casamento confronta o ódio e fealdade à sua volta, numa sociedade ainda assombrada pela apologia dos ideais arianos e que ainda não se libertou totalmente do preconceito. Datado de 1974, este é um filme arrojado, mesmo para os padrões da sociedade atual. Dou por mim a pensar quão diferente seria, hoje, a relação entre Emmi e Ali. Conheceriam uma maior liberdade? Seriam poupados a críticas?
Esta não é uma história da Netflix, entre uma mulher mais velha bonita e um homem mais novo. Estas são duas almas, separadas por um abismo cultural e que nem sempre conseguem comunicar, mas que encontraram um meio-termo, apesar de todas as dificuldades a que Ali está sujeito enquanto imigrante.
É uma bonita história de amor, que tenta sobreviver contra todas as expectativas. Sobreviveria aos dias de hoje?