Introdução. “O Caminho Desde Covid-19 até um Novo Contrato Social” (Premium) é o título do artigo de Philip Stephens no “Financial Times” de quinta-feira passada. Em súmula: a pandemia revelou a todos que existe sociedade e que é preciso um novo contrato social que substitua o que vigorou desde o pós-guerra.

Apesar de todos os seus defeitos existia a noção de fairness, e cada geração acreditava que seria mais próspera que a última. A confiança colapsou com a crise financeira de 2008 e a austeridade que se lhe seguiu. As desigualdades e o trabalho precário aumentaram e poderão de novo aumentar se os governos cortarem nos investimentos. Os populistas exploraram queixas autênticas, mas a sua incompetência esbarrou na realidade do vírus. A pandemia mudou o argumento político e reformulou o papel do Estado.

O novo contrato social deve proteger os mais mal pagos, a educação deve ser prioridade, o empreendedorismo deve ser recompensado e os ‘renteiros’ devem ser punidos com impostos adequados. A eficácia governativa revelou ser um aglutinador e os cidadãos exigem competência governativa e fairness. Os líderes políticos que souberem responder a estas exigências terão de novo audiência e uma oportunidade a não desperdiçar.

As linhas que seguem não são, como é óbvio, um plano e não seguem uma ordem. São alguns dos conceitos e recomendações estratégicas que venho fazendo desde há muitos anos.

Visão, compromisso e boa comunicação são fundamentais. Exprimir numa única frase, entendida e aceite pela generalidade da opinião pública. Para facilitar a compreensão, recorro a conceitos de gestão: uma visão para os portugueses (onde queremos chegar) e a razão de ser de Portugal (porque existimos). Por exemplo: Portugal existe para servir boa qualidade de vida a todos os portugueses. Por outras palavras, promover a felicidade dos portugueses juntando-nos à média do PIB europeu.

Como lá chegar e calendário. Expresso em um mission statement: por exemplo, elevar o nível de vida e de bem-estar dos portugueses ao nível médio da UE em cinco anos; mobilizar os portugueses através das escolas, empresas, administração pública, governança privada e pública, poderes executivo, legislativo e judicial para, em conjunto, cumprimos a missão.

Oportunidade industrial. Como referi em artigo antes das últimas eleições, Portugal está bem posicionado para diversificar a sua produção usando know-how existente. É necessário maximizar os recursos existentes a todos os níveis, aquilo a que os empreendedores chamam bootstrapping e que traduzido quer dizer “fazer com a prata da casa”.

Portugal é um país industrial, mas falta maior escala, o âmbito é reduzido (o que pode ser uma vantagem) e escasseia a profundidade científica. Em vez dessa ideia difusa “reindustrializar”, melhor será seguir o conselho do Growth Lab do Center for International Development da Universidade de Harvard e promover a acumulação consecutiva de camadas de conhecimento sobre o que já se faz e aumentar progressivamente o valor acrescentado nacional. Portugal precisa de uma estratégia industrial fundada em know-how especializado em determinadas áreas que já domina (know-how é definido como conhecimento tácito utilizado para novos produtos).

Antes da pandemia, a complexidade da economia portuguesa, classificada apenas como moderada, não permitia um crescimento superior a 3,1% por ano na próxima década, o que coloca Portugal na metade inferior da tabela global. Os países que exportam produtos de maior complexidade crescem mais depressa, pelo que o crescimento pode ser empurrado por um processo de diversificação do know-how para produzir um conjunto de serviços e produtos mais complexos.

O problema é que a economia exportadora está maioritariamente concentrada em produtos e serviços de baixa complexidade, como agricultura e têxteis, embora haja algum contributo de produtos de complexidade moderada, como as TIC e o turismo.

Os países com grande diversidade de know-how complexo são capazes de produzir uma maior diversidade de produtos sofisticados. Portugal diversificou na última década para um número suficiente de produtos, mas os volumes são demasiados pequenos para contribuir para crescimento significativo. A concentração de serviços no turismo é bom exemplo de como a quantidade contribui para o crescimento da quota de mercado mundial.

Os países obtêm mais sucesso com a diversificação de produtos que requerem know-how semelhante e especializado e que crescem sobre capacidades existentes. Segundo o Growth Lab, o know-how existente em Portugal oferece muitas oportunidades de diversificação em produtos relacionados. Todavia, é preciso eliminar os obstáculos e diminuir a distância entre esses produtos. Tendo em consideração as exportações atuais, alguns sectores oferecem grande potencial de diversificação. A opção estratégica recomendada para Portugal é a produção de maquinaria e equipamentos industriais e elétricos.

Potenciar o melhor ativo português: as pessoas. Investimento massivo em educação pré-escolar, primária e secundária; investigação científica aplicada; ensino profissionalizante; relação academia-empresas; empreendedorismo; formação dos empresários e empreendedores portugueses. Desbloquear o verdeiro potencial de Portugal: as pessoas, a sua criatividade, energia, disponibilidade para contribuir para o bem comum.

Estado de direito. Absoluto respeito pela iniciativa privada, apoio aos empreendedores, investidores nacionais e estrangeiros, escrupuloso cumprimento do Estado de direito.

Next Generation Europe. Utilização dos fundos europeus e nacionais ao serviço da economia produtiva. Liderança clara, forte e institucional, centrada no ministro da Economia, aplicação totalmente transparente e escrutinada pelo parlamento, partidos, reguladores e por uma incisiva, implacável e esclarecida opinião pública através dos media e das organizações da sociedade civil.

Fairness. Nada funcionará enquanto houver discriminação e desigualdades que causam clivagens injustas entre quatro classes de portugueses minando a coesão social: os que trabalham para o Estado; os que não trabalham para o Estado; os que têm menos de 35 anos e os que têm mais de 65 anos; os que não sendo do Estado vivem à conta deste.

Explicar o passado. Nada funcionará se não houver conhecimento e consenso sobre as políticas dos últimos 20 anos, o que funcionou e não funcionou, porquê, e o respetivo enquadramento geopolítico nesse intervalo de tempo.

Atitudes e comportamentos. Portugal precisa de reformar aspetos da cultura social, promovendo a autonomia pessoal e educando as chamadas elites. Comportamentos arrogantes, facilitistas, displicentes, condescendentes têm de ser substituídos pela cultural frugal, compenetrada e mais exigente consigo mesmo. Os portugueses têm de ser mais rápidos a pensar e decidir, mais profissionais e menos acomodatícios, condenando o amiguismo, e têm de ser críticos e rigorosos sobre a aplicação dos seus impostos, assim como mais bem informados e com capacidade para aplicar conhecimento sobre o que se passa no mundo e eventuais oportunidades.

Justiça pró-economia. A eficácia e eficiência dos tribunais é fundamental para o bom e são funcionamento da economia.

Oportunidade de recursos instalados. Como venho defendendo neste jornal aqui e aqui, aproveitar as infraestruturas existentes, como o aeroporto de Beja, e acrescentar-lhe valor fazendo a ligação por alta velocidade a Lisboa e Madrid. É a opção super lógica (em entrevista a ministra da Coesão Territorial defende esta opção). Não desperdiçar recursos em um aeroporto desnecessário (Montijo) e que é um atentado ambiental.

Fiscalidade. Vale a pena pagar para ser cidadão português? A recuperação do investimento, público e privado, é crucial para que a dinâmica exportadora seja sustentável a médio prazo, bem como para a recuperação da procura interna. Os impostos devem contribuir direta ou indiretamente para fomentar e aumentar o investimento individual e coletivo em atividades produtivas e não apenas para pagar custos fixos do Estado, a dívida e os juros da dívida acumulada pelo Estado.

Profissionalismo do Executivo. Melhorar a qualificação dos recursos humanos ministeriáveis. Apenas escolher para ministro/a do governo, qualquer que seja o ministério, pessoas que saibam, de preferência através de experiência profissional e/ou académica, o que significam e o sumo conceptual de palavras como “estratégia”, “macroeconomia”, “microeconomia”, “gestão”, “mercados”, “oferta e procura”, “concorrência”, “globalização”, “reputação”, “marketing”, “place branding”, etc., para não referir “investidores”, “iniciativa privada”.