Discute-se muito, atualmente, a relação entre estabilidade política, entendida como estabilidade governamental, e a dinâmica económica. A opinião dominante traduz-se na hipótese de que as sucessivas mudanças de governo, na medida em que interrompem a continuidade e coerência das políticas económicas, sobretudo no médio e no longo prazo, contribuem para o aumento da incerteza, a formação de expectativas inibidoras do investimento, a deterioração da imagem internacional do País, o que se traduz em perda de dinamismo económico.
À partida parece uma hipótese razoável e que encontra aderência em várias situações reais. Todavia, a experiência histórica revela que a relação direta não é tão evidente assim e que há mesmo situações em que a instabilidade política coincide com períodos de crescimento e, inclusive, de transformação estrutural importante que contradizem o senso comum.
Entre o final dos anos 50, do século passado e 1973, a Itália foi caracterizada por crises políticas e por frequentes mudanças de governo. A duração média dos governos nesse período foi de entre um a dois anos, com muitos deles não conseguindo completar um mandato completo.
Todavia, a Itália registou ao longo desse período um dos seus mais robustos períodos de crescimento, que ficou conhecido como “milagre económico italiano”. A taxa média de crescimento do PIB nesse período foi em torno de 5-6% ao ano, embora tenha começado a desacelerar no início dos anos 70, especialmente após 1973, com a chamada crise do petróleo.
Vários fatores contribuíram para este aparente paradoxo. Em primeiro lugar, a reconstrução do pós-Segunda Guerra Mundial que gerou uma profunda interação entre crescimento da procura e da oferta de bens e serviços, impulsionando uma industrialização modernizadora. Em segundo lugar as verbas disponibilizadas pelo Plano Marshal que apoiaram o desenvolvimento desta dinâmica, através de investimentos em infraestruturas e indústrias tecnologicamente inovadoras.
Isto permitiu à Itália desenvolver a indústria automóvel, de eletrodomésticos, manufaturas têxteis e de calçado, incluindo a moda e o design, que se tornaram referência. Em terceiro lugar, a existência de uma mão de obra abundante, jovem e qualificada que contribuiu decisivamente para superar constrangimentos do aumento da produção. Em quarto lugar a integração económica europeia e liberalização do comércio internacional que permitiu à Itália transformar-se numa economia fortemente exportadora e aberta ao investimento externo tecnologicamente evoluído.
Por último, mas não menos importante, a existência de um consenso social e político sobre a necessidade de dar coerência a uma política económica desenvolvimentista e favorável à distribuição de rendimentos que passou, também, pela constituição de uma administração pública competente e empenhada na execução de políticas coerentes e orientadas para objetivos de coesão económica e social. Outros fatores terão contribuído para o sucesso do modelo italiano, mas estes foram essenciais.
O que remete para a situação atual vivida em Portugal. Mais do que centrar a discussão política atual em torno de comportamentos individuais – que poderão ser questionados –, o importante é discutir projetos de modernização e capacitação estrutural, produzir consensos em torno de uma estratégia coerente de crescimento e promover uma efetiva reestruturação e qualificação da administração pública, imbuída deste espírito de interesse geral e que ganhe autonomia de iniciativa e de execução, face às vicissitudes das conjunturas políticas.
O modelo italiano dos anos 60 constitui, sem dúvida, uma referência interessante para aquilo que é necessário fazer em Portugal, contribuindo efetivamente para o esforço coletivo, de reforço da autonomia económica e de segurança coletiva, que está a ser pensado na Europa.