A história do cisne negro remonta a quase dois mil anos atrás, quando um poeta romano descreveu um pássaro raro como sendo parecido com um cisne negro. Na Europa, onde aparentemente só existiam cisnes brancos, o conceito do cisne negro pegou como metáfora popular de algo imaginário, que não existia. A metáfora durou mais de seiscentos anos, até ao século XVII, quando um explorador holandês chegou à Austrália e, contra a sabedoria popular europeia, encontrou cisnes negros – que são menos raros nessa região.

O cisne negro passou assim a ser um símbolo da fragilidade lógica de algumas crenças populares, e de como algumas impossibilidades teóricas se podem tornar realidade. Nos mercados financeiros a metáfora do cisne negro foi adoptada há pouco mais de uma década para ilustrar um evento de risco raro que pode ter repercussões graves, mas que não está a ser incorporado nas expectativas dos investidores. Contada a história do cisne negro, passemos à história dos automóveis.

As declarações do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, relativamente ao futuro do valor de mercado dos carros a diesel foram inconsequentes, dado que ocupa um cargo de poder. Mas pelo menos o ministro abriu os olhos do país para aquilo que, na minha opinião, é apenas a cauda de um cisne negro…

Eu percebo vergonhosamente pouco de carros. Não me atrevo a prever quando é que os carros eléctricos vão suplantar os carros a motor de combustão, ou quando é que vai deixar de fazer sentido para as famílias deterem tantos carros e passarem a utilizar mais os vários serviços de transporte que já têm ao seu dispor (desde os públicos até às trotinetes). Ou ainda mais difícil, quando é que os carros autónomos se vão tornar funcionais, de maneira a que os carros não estejam parados mais de 90% do seu tempo de vida, sendo utilizados muito mais eficientemente.

Mas percebo de análise financeira. E o que vejo quando olho para o sector automóvel global é um sector emaranhado em excesso de dívida, concessões de crédito por parte dos seus braços financeiros (para escoar produto) e fluxos de caixa muito frágeis há vários anos. Três red flags da análise financeira que se conjugam com o facto de o sector vender um produto que pode efectivamente perder valor de mercado na próxima década, com a materialização dos factores que apontei no parágrafo anterior. Ou, de forma mais lírica, com o advento da Revolução da Mobilidade.

Pior do que isso é ver que o sector automóvel global emprega milhões de pessoas (directa e indirectamente), que dá negócio a milhares de pequenos fornecedores e intermediários, e que tem uma das maiores pegadas financeiras na economia global. Juntamos a esta realidade o facto dos Estados e dos bancos centrais a nível global terem pouca margem de manobra para estimular a economia na próxima década, e vemos o cisne negro de corpo inteiro.

Uma visão que assusta mas que, na minha opinião, não deve ser omitida. Por isso, obrigado ao Sr. ministro por abrir os olhos do país, mas esperemos que esteja errado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.