1. O estudo “The world is moving East, fast”, publicado pela Euler Hermes, líder mundial em seguros de crédito e também accionista do BPI e da COSEC em Portugal, fundamenta que o Centro de Gravidade da Economia Global (WECG,  sigla em inglês), centrada no Atlântico até 2007, mas em movimento lento desde 2002, se localizará, em 2030, na confluência da China, Índia e Paquistão, dois anos antes do tempo previsto, à boleia da Covid-19.

O grande motor que está a accionar esta deslocalização no sentido da Ásia-Pacífico tem um nome. Chama-se República Popular da China, país cuja evolução da economia está a dar-se, hoje, a uma velocidade duas vezes e meia mais rápida que a média registada entre 2015 e 2019.

Não nos podemos esquecer que a República Popular da China nos últimos 40 anos atingiu a taxa de crescimento média mais elevada, em todo o mundo, graças às reformas económicas que introduziu em finais da década de 1970, com algumas convulsões internas como reacção, e que este crescimento lhe proporcionou condições para arrancar à pobreza extrema mais de 700 milhões de cidadãos chineses. Um número jamais obtido em tão pouco tempo.

2. Para além de características específicas da sociedade chinesa em que valores como a ordem e a disciplina, muito pouco ocidentais, são regras interiorizadas e assumidas como basilares, as medidas que o governo chinês tomou para enfrentar a pandemia mostraram-se bem eficazes e, certamente por isso, a China foi a única grande economia a averbar, em 2020, uma taxa de crescimento positiva do PIB de 2,3%, como já aqui se referiu, embora a Região, no seu conjunto, tenha tido um desempenho relativo favorável no contexto mundial.

Para este desempenho comparado tem contribuído, em larga medida, considera o estudo, o processo de desenvolvimento do Acordo de Comércio Livre, intitulado Parceria Económica Regional Abrangente (RCEP, sigla em inglês), assinado entre a China e as maiores potências asiáticas e ainda a Austrália e Nova Zelândia, que visa eliminar as tarifas alfandegárias entre os países parceiros em 90%, durante os próximos 20 anos.

Quais são os países do Acordo?

Para uma melhor compreensão, vamos, seguindo o estudo, agrupá-los em três categorias:

  • Três países de economias desenvolvidas: Austrália, Japão e Nova Zelândia, países muito da órbita pró-ocidental;
  • Os quatro tigres asiáticos que ganharam esta designação devido a uma forte expansão durante um longo período: Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan;
  • Economias emergentes: China, Filipinas, Vietname, Malásia, Tailândia, Índia, Indonésia.

Este acordo face a outros de objectivos idênticos, por exemplo o dos EUA/México/Canadá, tem regras bem mais flexíveis e o facto de ser necessário incorporar apenas 40% na mercadoria para ser tida como produto de origem RCEP contribui para acelerar a troca de bens entre os países membros e o entrosamento das respectivas economias.

Acresce ainda que as estruturas de exportação e de importação dos respectivos países parceiros se entrelaçam, potenciando com facilidade uma maior integração das economias.

O estudo analisa várias facetas das economias, através da produção de diversos indicadores de complementaridade, competitividade bem como da especialização por países.

Sendo de elevado interesse para os países da Ásia-Pacífico não deixa de o ser também para países e empresas de outras zonas que, eventualmente, tencionem explorar hipóteses de negócios naquele conjunto de 14 países tão diferentes em grau de desenvolvimento, dimensão das economias e de população, pelo que a sua análise poderá ser interessante nesta perspectiva.

Estes 14 países no seu conjunto representam 34,4% do PIB mundial e 43% da sua população.

No estudo ainda se avança com os países que, eventualmente, vão ser os maiores beneficiários do acordo, na base da especialização e competitividade actuais, e que, no essencial, serão a China, o Japão, a Coreia do Sul e Singapura, apesar da forte integração comercial crescente esperada para a Ásia-Pacífico como um todo.

3. O governo chinês no combate aos efeitos económicos nefastos da pandemia implementou políticas robustas de apoio à economia a dois níveis:

  • Estímulos fiscais em geral,
  • Medidas de protecção às empresas públicas.

O estudo avança que os estímulos fiscais do governo chinês se traduziram num crescimento do PIB em 4,1 pontos percentuais (p. p). Uma diferença muito contrastante com o Ocidente, pois os estímulos fiscais aplicados nos EUA apenas tiveram como efeito no PIB um crescimento de 1,7 (p.p) e na Alemanha 1,3 (p.p).

Por outro lado, as medidas de protecção às empresas públicas chinesas, de natureza financeira e social, constituíram um factor decisivo para suster os danos da crise pandémica, pois tornou possível assegurar a manutenção da actividade económica, ainda que sem lucro, bem como os postos de trabalho.

Todas estas medidas conjugadas proporcionaram uma maior solidez relativa da economia face às homólogas dos restantes países e uma velocidade de crescimento que se traduzirá numa antecipação de dois anos para o PIB chinês atingir o dos EUA face ao que se estimava antes da pandemia (2019).

Mas este comportamento só se tornou possível devido à transformação estrutural que a China operou no seu aparelho económico e produtivo, durante os últimos 40 anos. Essa mudança de fundo atingiu tanto o sistema financeiro como a sua economia real, dando origem hoje a uma China tecnologicamente avançada, quando há 40 anos não passava de um país eminentemente agrícola.

Para ficarmos com uma noção aproximada do salto qualitativo que se operou na sociedade chinesa, basta dizer que a classe média continua em constante expansão, constituindo hoje uma das mais significativas à escala mundial e a participação da China no PIB mundial em 1990 era de 3,86% contra 20,6% dos EUA e, em 2017/8, Consoante as fontes, os EUA desceram para 15% abaixo da China com 18,6% (em paridades de poder de compra – Banco Mundial).

As mudanças não se deram apenas na economia. A nível político sucederam-se alterações importantes, designadamente nos critérios de selecção dos líderes políticos onde a exigência da qualidade, a experiência e a capacidade de liderança se tornaram determinantes.

Hoje começa a ser normal em certas escolas do Ocidente a abordagem e o estudo da existência ou não de um “modelo de governação chinês”, tanto no domínio da economia como na política – até já baptizado de meritocracia de estilo chinês, que de algum modo se inspirou na governação de Singapura.

E há investigadores da área da política social que começam a interrogar-se se, daqui a 20 anos, a meritocracia de estilo chinês não poderá constituir um modelo alternativo e um desafio à democracia liberal de estilo ocidental, cada vez mais em regressão no mundo, embora a China esteja a demonstrar que, como admite Henry Kissinger na sua obra “Da China”, quanto mais poderosa fica, menos interessada está em intervir na vida de outras nações.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.