Desenganem-se aqueles que pensam que este artigo de opinião se debruça sobre um dos temas mais conhecidos dos Xutos e Pontapés. Quem nos dera estar agora a gritar, a plenos pulmões, “Se gosto de ti, Se gostas de mim, Se isto não chega, Tens o Mundo ao contrário”. Na realidade, não de música que hoje falamos, mas, sim, do “tema dos temas”: a Covid-19 e o seu impacto na nossa sociedade.
Ainda há pouco menos de três meses vivíamos pacatamente no terceiro planeta a contar do sol, sem que se pudesse imaginar que, alguns dias mais tarde, viríamos a estar confrontados com uma pandemia que alteraria, de forma radical, a nossa forma de agir, de viver, de encarar o futuro. O cenário que hoje se nos apresenta é digno de um daqueles filmes que nos habituámos a ver no cinema e que mostram a Terra a ser vítima de um contágio massificado por parte de um vírus que os cientistas tentam, desesperadamente, combater, no mais curto espaço de tempo possível.
Em muitos países, em especial na nossa Europa, as pessoas estão hoje, de forma voluntária ou imposta, fechadas nas suas casas, evitando sair à rua, com medo de serem contagiadas por um vírus que, apesar de pouco letal, apresenta uma elevadíssima taxa de transmissão. Aqueles que saem à rua fazem-no com máscaras, evitando, a todo o transe, comunicar de perto com os seus semelhantes, com o receio de que estes estejam infetados e os possam contaminar.
O cenário que se nos apresenta é verdadeiramente assustador. Uma ida à rua para comprar alimentos transformou-se numa experiência traumática, com um panorama que, por momentos, nos faz lembrar a popular série “The Walking Dead”.
Embora a vida humana seja o valor supremo a preservar, sem olhar a custos, quem reflete um pouco sobre o impacto que a paralisia que estamos a viver terá na sociedade e na economia não pode deixar de ficar apreensivo.
As creches, as escolas, as universidades, as clínicas dentárias, os hotéis, os estabelecimentos de alojamento local, as companhias de aviação, os transportes rodoviários, marítimos e ferroviários, os restaurantes, os museus, entre outras empresas, estão paradas, seja por decisão governamental, seja por falta de clientes. Os trabalhadores dessas empresas foram mandados para casa, gerando uma situação cujo impacto económico é impossível de quantificar, tanto mais que não é possível adivinhar o fim deste filme de terror a que estamos a assistir na primeira fila.
Os empresários, na sua esmagadora maioria, ficaram impossibilitados de cumprir com as suas obrigações para com os colaboradores, para com a banca e para com o Estado. Os trabalhadores, esses, confinados a suas casas, não dispõem, em muitos casos, de liquidez necessária para adquirir os bens e os serviços de que precisam para manter as suas vidas em plenitude. O Estado vê-se inundado de pedidos e solicitações da mais diversa ordem, num momento em que os contribuintes, particulares e empresas, não têm condições para cumprir com as suas obrigações. Os juros nos mercados internacionais já começaram a aumentar.
Num ano em que se previa que Portugal registasse, pela primeira vez em democracia, um excedente orçamental, tudo ruiu. Ainda que dentro de alguns meses seja possível restabelecer uma certa normalidade, teremos este ano um défice orçamental gigantesco, num momento em que os cidadãos não se encontram em condições de apertar o cinto, ajudando, assim, o Estado a enfrentar o problema.
A economia entrará, certamente, em recessão, o desemprego aumentará, as falências acentuar-se-ão a cada dia que passa, as instituições financeiras serão incapazes de sustentar o nível de incumprimento que se gerará.
Num país onde o turismo parecia, até há pouco, tudo sustentar, a restrição dos movimentos internacionais de passageiros fará com que inúmeras empresas, empresários e trabalhadores fiquem numa situação insustentável. As companhias de aviação entraram em estado de coma, os hotéis estão vazios, os estabelecimentos de alojamento local não têm clientes, os restaurantes estão às moscas. O nosso turismo será, ao contrário do que até aqui aconteceu, incapaz de alavancar o crescimento económico.
O desafio que se nos apresenta, quando a guerra contra o vírus terminar, será gigantesco. Na prática, tratar-se-á de reerguer uma sociedade que colapsou, tal qual aconteceu quando, no final da Segunda Guerra Mundial, vários países tiveram que renascer das cinzas. Na Europa, quase todos os países ficarão de rastos. Mas este não será apenas um desafio europeu, embora pareça, atualmente, que somos os mais castigados pelo vírus. O século XXI ficará certamente nos anais da História como aquele em que tivemos que dar resposta a esta pandemia.
No final, estou certo, depois de perdermos algumas batalhas, venceremos a guerra, sendo encontrada uma vacina que nos permitirá encontrar de novo um caminho para as nossas vidas, mas as marcas da destruição que se avizinham não se deixarão de fazer sentir durante largos anos. Em apenas três meses, quando nada o fazia prever, temos o mundo ao contrário, parecendo estar a viver algo que até aqui só conhecíamos das telas do cinema ou dos ecrãs da televisão.