No equador deste século, a Terra deverá contar com perto de dez mil milhões de habitantes. Há poucos dias, uma pessoa com autoridade em matérias demográficas referia-me que no Reino Unido vivem atualmente umas 15 mil pessoas centenárias e que, de entre os 65 milhões de pessoas que atualmente habitam nesse país, dez milhões deverão ser capazes de ultrapassar os 100 anos de vida como consequência do progresso das ciências da saúde.

Num mundo com recursos cada vez mais escassos e degradados, este cenário de longevidade configura um desafio de dimensões inauditas para a nossa civilização. Para nos adaptarmos a este novo contexto, será preciso aumentar o grau de eficiência de todas as atividades humanas. Mas, como em qualquer outro processo de mudança profunda e transversal da sociedade, a transição para cenários de maior eficiência encerra implicações de todo o tipo.

Assim, enquanto é relativamente consensual que devemos procurar novos sistemas de mobilidade perante a absurdidade de utilizar carros com um peso superior a uma tonelada para transportar uma pessoa que pesa 70 kg, quando aplicamos o mesmo raciocínio ao trabalho ou à nossa alimentação levantam-se questões de índole ética sobre as quais devemos refletir antecipadamente.

Há quem pense que é absurdo criar uma vaca, com toda a sua pele, ossos, cornos e restantes órgãos para produzir um bife que podemos já replicar num laboratório de “agricultura celular” a partir de uma única célula-mãe, sem toda essa chatice acessória. E também há quem pense que podemos aproveitar a inesgotável disponibilidade tecnológica para criar plataformas informáticas que, de forma centralizada, permitem desintermediar o quadro institucional e laboral para despachar em tempo real micro-ordens de trabalho para trabalhadores autónomos sem nenhum tipo de proteção social.

A eficiência a qualquer preço no plano económico provoca desestruturação social e desapreço pelos valores éticos que fundamentam o nosso sistema. Os 7.600 milhões de pessoas que atualmente habitam na Terra representam tão-só 0,01% da biomassa do planeta, mas já acabaram com 50% das plantas e 83% das espécies de mamíferos, de acordo com relatórios recentes sobre esta matéria. Embora falemos muito de uma economia cada vez mais circular, parece que na realidade conservamos ainda muitas esquinas a acumular misérias.

A introdução de qualquer nova tecnologia de impacto precisa de fundamentos institucionais e éticos que permitam conjugar os interesses públicos com os privados. Os valores morais dos algoritmos científicos que sustentam esta nova era da eficiência serão sempre os dos seus criadores, que só casualmente deverão coincidir com os princípios com que o conjunto da sociedade decidiu governar-se.  Por isso, esta grande revolução tecnológica é, na prática, uma revolução política, que desloca os centros de poder e precisa de uma governança estreita que conjugue de forma tão harmoniosa quanto possível inovação e regulação.

O mundo é muito mais que um problema de engenharia que conjuga determinismo tecnológico com neutralidade ética. Se assim for, a resolução racional dos problemas ambientais criados pela humanidade seria que os robôs tomassem a iniciativa de destruir-nos para preservar o planeta. Afinal, da mesma forma que não precisamos de vacas para comer um bife, também não é indispensável que os humanos sejam biológicos.