Tempos houve em que a distinção entre herói e vilão era evidente, em que honra, carácter, lealdade e dever eram mais que meras palavras em discursos redondos. Em tempos cada vez mais distantes, as relações e todo o tecido social eram forjados na confiança. Hoje em dia assiste-se exatamente ao contrário. Pior: aceita-se o contrário como normal e olha-se desconfiadamente para as raras exceções que ainda vão surgindo aqui e ali.

As últimas semanas ficaram marcadas pela vinda a público dos contornos de uma teia financeira que, conclui-se, foi a razão da maior crise económica de que a minha geração tem memória. Figuras aparentemente acima de toda a suspeita, a quem foram confiados cargos de relevância na estrutura e na estratégia nacional, são agora apontadas como fazendo parte de uma organização mafiosa que, possivelmente, deixará envergonhado o velho “polvo” napolitano.

Organização criminosa, sim. Que não haja medo das palavras nem para os atos se inventem expressões doces! Estão em causa crimes de todo o tipo e não apenas de colarinho branco. As estatísticas sobre o aumento de suicídios e da violência doméstica no país nos últimos quatro anos – apontando como causa imediata a crise, que arrastou para níveis de pobreza uma enorme fatia da chamada classe média – colocam nas mãos destes senhores sangue anónimo. E onde está a justiça? Quanto tempo passará até que os culpados sejam julgados e punidos? Isto se, entretanto, os processos não prescreverem!

Em Portugal, a justiça é cúmplice por omissão e lentidão dos crimes que deveria julgar. É cúmplice da justiça popular, a mais hedionda das justiças. São tantos e tão graves os exemplos que já nem os conseguimos enumerar. Tome-se o “caso Marquês”. Não sei se o antigo primeiro-ministro é, ou não, culpado de tudo o que o acusam. Mas uma coisa é certa: sendo ou não culpado, já foi julgado e punido em praça pública e esse é um estigma indelével. Se há provas para a acusação, faça-se a acusação, julguem-se os arguidos, aplique-se-lhes a pena e encerre-se o caso. Nada é pior que o clima de suspeição e de impunidade que goza neste momento a Justiça em Portugal.

É de longe preferível uma justiça rápida e efetiva a uma justiça que se arrasta, exaustivamente, à procura de mais este e aquele indício. Julguem-se os que estão já provados, se é que o estão. Julgue-se o crime económico que existiu com fugas ao fisco e desfalques, independentemente de outras averiguações que possam a vir a fazer-se posteriormente envolvendo os mesmos arguidos. É preferível a existência e a conclusão de dez casos menos mediáticos do que o arrastar de um mega processo que acaba impune para os culpados.

Um país onde a justiça põe à prova a paciência e a resiliência dos ofendidos e das vítimas, sejam elas individuais ou nos casos em questão, toda a sociedade, é um país podre, corrupto e sem futuro.