Declaração de interesses: sou caçador e gosto de touradas.
Escrevo este artigo a propósito da Inês Sousa Real, deputada pelo PAN, aquela deputada que foi objecto de várias notícias que evidenciavam uma contradição entre o que defendia publicamente com o que praticava na privacidade do casal. Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz…
Mas não me vou alongar sobre essa contradição, pois não sou especialista em agricultura intensiva, nem ache que contradições vindas de políticos seja anormal ou digna de nota, infelizmente.
Como sou jurista impressionou-me muito mais uma deputada violar a lei e ninguém o referir.
A referida deputada, com fins inconfessáveis, tentou esconder que era detentora de participações sociais representativas do capital social de sociedades comerciais (que se dedicavam à tal agricultura intensiva, que ela publicamente reprova). Assim, pese embora ser uma deputada da Assembleia da República, órgão de soberania com a reserva absoluta da criação da Lei, congeminou uma fraude à lei.
Nos termos do código civil é proibida a celebração de contratos de compra e venda entre casados, para evitar a alteração do regime de bens que os cônjuges escolheram e que deve ser imutável na pendência do casamento. Ora, o instituto da fraude à lei existe precisamente para abranger as situações que estariam abrangidas pela proibição caso o legislador tivesse previsto essa conduta, atenta a finalidade da norma defraudada.
E o que fez a deputada Inês Sousa Real? Como era proibido vender as participações sociais ao marido, vendeu-as à sogra e esta, acto contínuo, revendeu as mesmas participações sociais ao filho e marido da primeira, contornando, assim, a mencionada proibição legal.
E isto é muito mais grave do que a contribuição da deputada em apreço para as alterações climáticas, ou pelo uso do plástico nas estufas que afinal são meros tuneis ou a convivência com um couto de caça para controlo dos javalis que poderia – imaginem – danificar a agricultura dela. Já as outras explorações agrícolas podem ser danificadas para suprema protecção do animal!
Como é que em Portugal se convive com uma deputada que viola despudoradamente a lei e ninguém se insurge verdadeiramente é que me faz pensar, e constatar, no enorme desprestígio da nossa classe política. Como canta a banda de reggae angolana Kussondulola: Pin, Pan, Pun, cada bala mata um… (no caso, num sentido figurado, a deputada e não o javali).
Ora, o programa do PAN propõe a abolição da caça e «enquanto tal não acontecer” quer “interditar a caça assumidamente desportiva”. Tal proposta mostra bem a total ignorância do que a caça representa na economia local das regiões mais pobres, os empregos que sustenta e as empresas que financia (normalmente na época baixa).
É a caça que mantém as culturas na terra para sustentar as espécies cinegéticas. Se for abolida, as terras do interior são abandonadas e só existirá vida selvagem nos jardins zoológicos e parques animais que de selvagem terá muito pouco. O caçador é o maior protector das espécies cinegéticas, pois só a preservação das mesmas permite a continuação milenar dessa actividade.
O controlo das espécies selvagens, designadamente dos javalis, é absolutamente fundamental para certas actividades agrícolas. Se se acabar com a caça muitas espécies cinegéticas desaparecerão da terra. Nas áreas de agricultura intensiva todos nós deixamos de ver perdizes, coelhos ou lebres…
A defesa do campo, a defesa das suas actividades produtivas e das suas tradições. A agricultura, a ganadaria, a caça, os aproveitamentos florestais e a protecção do meio natural são inimigos dos urbanos que, sentados no sofá, com o seu cão ou gato de estimação, aprisionados num meio artificial, vivem numa fantasia animalista e pensam (se é que pensam) que é a caça, e o mundo rural, responsável pelas alterações climáticas….
A ameaça de fuga das populações das regiões pobres do interior, onde se caça, a protecção animalista e a sua fúria proibitiva conduzirão ao efeito perverso do que pensam proteger: extinção das espécies cinegéticas sedentárias.
O sector económico da caça movimenta muito dinheiro, financia todo o sector hoteleiro e de restauração, organizações cinegéticas, trabalhadores à jorna, criadores e fornecedores de espécies cinegéticas, guardas dos coutos associativos e turísticos e normalmente incide em zonas do interior, pobres e amantes desta actividade tradicional e milenar.
Em 2017, estimava-se um valor de trezentos e cinquenta milhões de euros ao ano, derivado de receitas, directas e indirectas, da actividade cinegética, sobretudo em áreas do interior e desfavorecidas. É isto que está em causa!
Isto não se discute nos debates parlamentares. E é pena!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.