Algumas breves considerações sobre os resultados das eleições autárquicas.
1. É difícil perceber até que ponto a política nacional contamina as dinâmicas eleitorais locais. Nem sempre acontece, mas nas eleições de domingo passado parece ter existido alguma transposição entre as duas escalas. Não restam grandes dúvidas de que os excelentes resultados obtidos pelo PS estão em parte relacionados com a boa performance governativa expressa na evolução dos dados económicos atingidos na conjuntura recente. O PS ganhou um prémio associado à boa governação do país.
Também é de sublinhar os bons resultados da esquerda no seu conjunto. No entanto, esta não ocorreu na mesma amplitude nos outros dois partidos que apoiam a atual configuração governativa.
O BE teve alguns resultados interessantes, nomeadamente, na eleição de vereadores nos maiores centros urbanos (com destaque para Lisboa, Almada e Amadora), mas encontra-se ainda longe de ser um partido com uma consolidada implantação municipal e local. Está a trilhar o caminho necessário, embora mais moroso do que o esperado.
Por seu turno, a CDU teve uma má noite eleitoral, perdendo uma dezena de Câmaras Municipais, algumas delas impensáveis (como Almada ou Castro Verde). Face a 2013, a CDU viu reduzir o seu número de votantes a nível nacional, numas eleições em que a percentagem da abstenção decresceu relativamente às anteriores. Trata-se de um dado preocupante, mas que não é inédito e, sobretudo, pode não ser irreversível. De qualquer modo, nem tudo são más notícias. Não só se mantém enquanto a terceira força política autárquica, como consegue demonstrar alguma capacidade de resiliência e de recuperação em determinados centros urbanos. A situação mais relevante é Lisboa onde poderá deter um papel decisivo.
2. À partida o cenário mais provável da governação em Lisboa vai passar por uma configuração muito semelhante à que foi congeminada para o governo nacional. Vamos ver como nos próximos dias se processam as negociações entre os partidos de esquerda, todavia, é fundamental que as três forças sejam incluídas na solução e que assumam responsabilidades e pelouros determinantes (e visíveis) na governação da cidade. Esse equilíbrio não só será importante para o futuro de Lisboa, como pode contribuir para a ajudar a cimentar as relações entre os partidos que sustentam a nível nacional a designada ‘geringonça’. Aqui vai ser o local a influenciar a política nacional. Enfim, um grande desafio.
3. O descalabro do PSD não pode ser interpretado apenas como um desastre político e pessoal de Pedro Passos Coelho, mas, acima de tudo, como a derrota final de uma visão que imperou durante o período da Troika e que se caracterizou pela imposição de uma efetiva agenda neoliberal. Uma visão à qual tanto o líder do PSD como parte importante do seu partido aderiram cegamente. O desafio futuro do PSD não passa apenas pela capacidade de mudar de líder, mas, antes de mais, pela habilidade de reinventar o seu ideário sem cair na armadilha do populismo nacionalista e conservador (viu-se o que deu em Loures). De outro modo, irá assistir-se a um processo arriscado de ‘pasokisação’, principalmente nos grandes centros urbanos.
4. A estratégia do CDS foi muito mais bem-sucedida não só pela iniciativa de Assunção Cristas em se candidatar antecipadamente à Câmara Municipal de Lisboa, como pelo facto de ter conseguido despegar na altura certa da visão que comandou o governo de direita. Isso significa que a relação do CDS com essa agenda foi um pouco mais instrumental, parecendo não se ter deixado levar, pelo menos na mesma amplitude, numa adesão à crença quase cega no modelo e na política neoliberal. Aliás, essa foi a última boa intuição de Paulo Portas, que antecipadamente soube perceber que o jogo tinha virado e que, por isso, não lhe restaria outra opção senão retirar-se. Contudo, apesar de alguma recuperação, em termos gerais, o resultado do CDS é ainda relativamente humilde ficando muito atrás do PCP na sua expressão autárquica.
5. Isaltino Morais é um único líder carismático e populista de relevo à escala local, cujo excelente resultado eleitoral parece ultrapassar qualquer tipo de racionalidade analítica. No entanto, não nos devemos esquecer que foi pela sua mão que Oeiras se transformou num dos concelhos mais desenvolvidos e qualificados do país conseguindo na altura resolver, aos olhos dos seus munícipes, graves problemas urbanísticos locais. Quer se tolere quer não, a ideia feita e tantas vezes repetida de que “ele foi tão corrupto como muitos outros, mas pelo menos fez a diferença e fez por nós” transformou-se numa espécie de senso comum internalizado na maioria dos eleitores do concelho, independentemente de se tratar, paradoxalmente, de um dos municípios mais escolarizados do país. Embora tenha sido acusado e preso por branqueamento de capital e fraude fiscal, Isaltino voltou e ganhou. Obviamente que que nada disto justifica a eleição de um político com as suas características detendo um passado pouco recomendável. Trata-se, na verdade, de um estudo de caso que merece ser analisado com o devido pormenor pela sociologia política.
6. Apesar das leituras nacionais, é hora da política local. Estas eleições autárquicas demonstraram grande vivacidade que se revelou em parte na descida da percentagem da abstenção. Assistiu-se a movimentações relevantes na alteração do sentido de voto em relação a 2013. Isso é um dado muito positivo e revigorante. Quer dizer que a democracia funciona, é respeitada e está cada vez mais institucionalizada na prática, nas opções e no quotidiano dos portugueses. E nos tempos que correm este dado tem de ser devidamente valorizado e preservado por nós todos enquanto comunidade.