Foi justificadamente viral o artigo publicado recentemente por Yuval Noah Harari no “Financial Times”, e no qual o autor de “Homo Deus” salientou o que todos nós estamos a sentir nesta fase da pandemia: que esta tempestade vai passar, mas que as escolhas que fizermos agora serão decisivas para os anos que virão.
Em síntese, numa altura em que são já discutidas as condições em que – após o estado de emergência – se recomeçará gradualmente a atividade económica, dois modelos antagónicos se colocam para a forma como esse reboot social será desenhado. Mais uma vez nas palavras de Harari, o que está em causa é se “enfrentamos esta crise por meio do isolamento nacionalista ou através da cooperação e da solidariedade internacionais”. E também, se as opções tomadas, pelos diferentes países, serão no sentido de tentarmos superar a crise por meio de mecanismos de controlo e vigilância centralizados ou por meio da solidariedade social e do poder dado aos cidadãos.
Parafraseando Sócrates (o filósofo grego, para que não haja confusões), “só sabemos que nada sabemos” no que toca ao vírus e à forma como devemos lidar com ele. Ainda esta semana foi publicado um artigo especializado – bastante controverso – com base em dados do Intensive Care National Audit and Research Center britânico (ICNARC) que coloca seriamente em causa a opção pelos ventiladores em pacientes internados nos cuidados intensivos.
Mas, regressando às decisões que definirão a moldura comportamental do regresso à “nova normalidade” que nos assistirá, marcada também por uma inevitável e séria recessão financeira, três coisas são claras e devem ser inquestionáveis: que os mais desprotegidos não podem ficar ainda mais excluídos do sistema do que estavam antes da pandemia; que a liberdade individual só em casos extremos e não por sistema deverá ser limitada pelo Estado e, finalmente, que de uma vez por todas a Europa encontre uma atitude comum de prevenção e combate ao vírus, em lugar de cada país tomar decisões isoladas e por vezes contraditórias entre si.
Uma questão central é a liberdade de circulação dos cidadãos europeus – e não quero escrever “foi”, no passado –, um pilar essencial para a realidade da União Europeia. Toda uma geração formada com recurso ao Erasmus, por exemplo, abrindo horizontes e assente no intercâmbio, assiste agora ao confinamento e ao encerramento de fronteiras.
É urgente a recuperação económica das empresas e dos cidadãos. O cenário mais otimista avançado por Mário Centeno, na sua recente entrevista, é de dois anos para que regressemos ao estado em que estávamos antes da pandemia. Teremos uma queda no PIB que poderá chegar aos 20% no segundo trimestre, uma dívida pública que será a maior de sempre, rondando os 140%. A recuperação poderá demorar mais ainda do que esses dois anos. Mas, uma coisa é certa: deverá prosseguir sem deixar ninguém para trás, deverá ser assente na liberdade proporcionada pelo Estado de Direito e baseada na cooperação e solidariedade que caracterizam o ADN europeu. De outra forma, como alerta Harari, construiremos um perigoso mundo novo.
Incontornáveis os competentes comentários de Paulo Portas na TVI, numa altura em que abundam as opiniões de ‘tudólogos’ pouco ou nada informativos. Portas revela uma preparação extensíssima e aborda de forma clara e segura os temas que são efetivamente relevantes para os portugueses. Com ele, aprendemos verdadeiramente de uma forma estimulante e rara. Sei que posso parecer suspeito neste elogio, mas estou certo de que muitos não-centristas concordarão comigo e o reconhecerão.