O Nobel da Economia deste ano premiou a abordagem experimental de Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Kremer no combate à pobreza. O trio faz parte de uma nova geração de economistas, os randomistas, que aplicam métodos de avaliação empíricos onde são estimados efeitos de intervenções como a introdução de mecanismos de poupança para a compra de fertilizantes no Quénia ou o acesso a campos de imunização regulares na Índia.

Graças à abordagem destes economistas, que se baseia na recolha de dados detalhados sobre as vidas e decisões, percebeu-se que a pobreza é também sinónimo de escolhas e comportamentos inesperados aos olhos da doutrina económica vigente.

De inquéritos realizados entre 2002 e 2003 no distrito de Udaipur, na Índia, Duflo, Banerjee e Angus Deaton revelaram que entre os extremamente pobres cerca de 10% do orçamento alimentar era gasto em alimentos caros e de fraco valor nutricional.

Noutro reconhecido estudo realizado por Kremer, Duflo e Robinson em Busia, no Quénia, examinou-se a utilização de fertilizantes em plantações de milho. Com retornos à sua aplicação que ascendiam os 200% e um custo de aquisição reduzido, concluíram que menos de 20% dos agricultores adquiriam o adubo, ainda que reconhecessem a rendibilidade do investimento no produto.

No Rajastão, o maior estado da Índia, Duflo, Banerjee e Glennerster avaliaram ainda o resultado da melhoria no acesso a vacinas através da implementação de campos de imunização regulares. Ainda que a distribuição fosse gratuita, o acesso garantido e as populações alertadas para os benefícios associados, a taxa de imunização completa das crianças não ultrapassou os 17%.

Perante estes três exemplos, parece-nos que as pessoas fazem escolhas pouco sensatas. Se o custo era baixo e os retornos notáveis, porque é que os agricultores não investiam em fertilizantes? E se as vacinas eram grátis e o acesso a campos regulares facilitado, o que justificava taxas de imunização baixas? E porque não optar por uma dieta mais nutritiva se esta tem um custo inferior?

Não existe atualmente uma visão única que explique este aparente desvio de escolhas consideradas evidentes. Ainda assim, as várias peças existentes, resultantes deste trabalho em campo, começam a traçar um retrato até então indefinido.

Em primeiro lugar, a pobreza parece desviar a atenção para as decisões onde a privação é iminente. Como resultado, observa-se entre os que vivem em situação de pobreza um maior foco em decisões de curto prazo, em detrimento das restantes. Da mesma forma que, com tempo limitado, um deadline próximo pode concentrar toda a nossa atenção unicamente nessa tarefa, um agricultor no Busia poderá, perante uma despesa imprevista, optar por recorrer a um empréstimo a um familiar ou a um prestamista. E poderá fazê-lo sem refletir sobre os efeitos adversos que o reembolso e juros terão na sua capacidade de comprar o rentável fertilizante.

Largamente documentada encontra-se também a noção de que a preocupação com a pobreza pode, por si só, despertar um mecanismo de recompensa súbita pelo sentimento de privação. Nesse caso, os mais pobres podem ter uma maior propensão para escolhas impulsivas e nem sempre vantajosas, como a opção por alimentos mais caros (e possivelmente mais saborosos) mas menos nutritivos das famílias em Udaipur.

Viver com muito pouco parece tornar ainda o futuro como algo mais incerto. A pobreza parece induzir um comportamento ‘míope’, traduzido por uma busca de ganhos imediatos. Naturalmente, estar disposto a adiar um benefício presente por uma recompensa superior no futuro exige a garantia de que esta última se materialize, sem ser anulada pela necessidade do momento. Estas duas premissas são dificilmente asseguradas na vida dos mais pobres. Com isto, torna-se mais tangível perceber que a perspetiva de menor incidência do sarampo por parte das mães do Rajastão possa ser uma recompensa demasiado longínqua quando equiparada com o salário ganho nas horas poupadas com a deslocação a um campo de imunização.

Os exemplos anteriores ajudam-nos a compreender que viver com muito pouco afeta certamente a forma como pensamos e decidimos. E coloca em causa o paradigma habitual da economia, que considera que as pessoas fazem escolhas racionais em todos os contextos. Talvez a rendibilidade dos adubos seja distorcida quando a subsistência está muitas vezes em causa. Talvez não sejam estas escolhas inconsistentes ou irracionais, mas sim a doutrina existente pouco holística para as compreender. Não sabemos.

Mas sabemos que reconhecer as diferenças nas escolhas de quem vive com muito pouco contribuiu para o sucesso destes programas. Na intervenção sobre a utilização do fertilizante, a distribuição de um voucher que permitia a compra antecipada do produto, como um instrumento de poupança induzida, surpreendeu ao aumentar para mais do dobro o número de agricultores a utilizá-lo. No programa de vacinação, a entrega de um quilo de lentilhas, como forma de recompensa instantânea, tornou-se suficiente para duplicar a probabilidade de imunização completa de crianças no Rajastão.

Pessoalmente, acredito que a formulação destas medidas que funcionam foi possível porque se reconheceu que quem vive em situação de pobreza escolhe, pensa e reage de forma diferente. Portanto, considero justo afirmar que a contribuição dos laureados deste ano nos tornou a todos menos míopes, menos pobres.

 

O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.

 

 

Referências   

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