A cimeira da ONU sobre o clima, talvez a primeira grande marca de António Guterres enquanto secretário geral da organização, foi muito mais do que o episódio da menina sueca. A reunião foi – é! – uma peça importante na luta contra os interesses reinantes no planeta, contra o primado do negócio sobre a qualidade de vida das pessoas e constituiu um momento importante de denúncia do negacionismo de alguns líderes políticos.

A mensagem resulta simples: o mundo tem de reagir, de criar uma agenda capaz de mobilizar os países em direção a compromissos que assumam a emergência climática de que a generalidade da comunidade científica não duvida.

A discussão que importa não é sobre Greta Thunberg, o que come, a doença que tem, como viaja, o grau de autenticidade e os interesses que a animam. A menina é apenas um meio, um veículo de comunicação bem utilizado, de resto, pelos organizadores. Se ela se tornou um símbolo, então utilize-se o símbolo para mobilizar pessoas e pressionar os decisores. O que importa é perceber e discutir a emergência ambiental, a necessidade de tomar medidas.

O caso é este. Em 1992, sob a égide da ONU, os países acordaram em estabilizar o chamado efeito de estufa. Nada de importante resultou. A China e a Índia reclamaram até o direito às suas revoluções industriais próprias. Em 2015, em Paris, houve outra sessão solene. Novos acordos, cujos objectivos esbarraram de novo na economia e os seus interesses. Hoje parece já difícil, se não mesmo impossível, que no final deste século a temperatura esteja apenas 1,5 graus centígrados acima dos registos médios da época pré-industrial. Trump e Bolsonaro, com a sua ignorância e descaro, a subserviência aos grandes interesses económicos, são os emblemas maiores deste bloqueio, que recusa relacionar os sucessivos recordes de temperaturas, o degelo nos polos norte e sul e na Groenlândia e o consequente aumento do nível médio das águas dos mares, com a atividade resultante da economia poluidora em que a assenta a nossa existência, tal e qual a conhecemos. Também aqui, para alguma gente, o homem (ainda) não chegou à Lua.

Nessa perspectiva, é importante salientar a posição europeia, responsável e tomada antes desta cimeira, quando a recém eleita presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, declarou o ambiente como uma das três principais prioridades para a sua acção.

A Europa, como os Estados Unidos, tem uma grande responsabilidade nesta matéria. Foi ela que criou o conceito da revolução industrial, assente na exploração dos combustíveis fósseis. Deve ser ela a apresentar o primeiro exemplo de um espaço continental neutro em termos carbónicos.

É por isso da maior importância que, em vez de se formaram claques a apoiar ou a criticar a menina sueca, se gere em Portugal a massa crítica necessária para fazermos o nosso trabalho. Este passa pelo próximo governo assumir um plano claro, verde, que promova a mais rápida migração dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, com números e metas, uma verdadeira transição ecológica que não deixe florescer a velha tendência nacional para deixar à responsabilidade dos outros aquilo que nos cabe a nós fazer: alterar o funcionamento das empresas, combater o plástico, educar a população na reciclagem, fazer um esforço de investimento, em sede de Orçamento de Estado, para mudar a realidade da nossa economia, assumir a descarbonização.

A cimeira da ONU de Guterres só terá consequências se cada pessoa, cada organização, cada empresa, cada País, assumir a mudança do paradigma energético. Esta luta é importante por muitas razões e até para evitar que o fenómeno Greta se transforme num outro enorme perigo: massas ignorantes em fúria, sobretudo jovens, promovendo o caos. Não é assim tão inimaginável.