Sem tirar uma única selfie ou dar autógrafos, um urso-pardo localizado no Parque Natural de Montesinho, em Bragança, tornou-se no famoso de que toda a gente fala.

Há dois séculos que não era avistado um urso-pardo em território nacional, declarado extinto no país há 176 anos, o último terá sido abatido no Gerês em 1843. O aparecimento do urso-pardo despertou espanto, paixões e a fúria de um apicultor da região que viu desaparecerem 50 kg de mel das suas colmeias. O urso-pardo é o animal de maior porte na cadeia da fauna ibérica e é tímido, mal detecta presença humana dispersa, sendo raros os registos da sua presença ou avistamentos.

Como os episódios de uma telenovela, fomos seguindo diariamente as notícias na comunicação social sobre a viagem do urso. A Guarda Nacional Republicana (GNR) informou a população e deu conselhos, sendo o mais valioso que não deve correr no caso de avistar o animal, mas sim seguir na direcção contrária sem o provocar. E este conselho é meu que gosto muito dos meus leitores: não fique parado a tirar selfies nem dê comida, pode correr mal, não temos prova de que seja um animal amistoso nessas ocasiões e o mais certo é que olhe para si como um brinquedo. Em média, um urso-pardo adulto pode atingir 1,4 a 2,8 metros de altura e pesar mais de 200 kg. O melhor é não aborrecê-lo, pois seria como provocar o miúdo mais forte do recreio.

O espécime de férias em Portugal entrou no nosso território pela fronteira em La Tejera, Espanha, onde deixou idênticos estragos nas colmeias da zona. Estima-se que seja um jovem adulto que pertence à comunidade de ursos-pardos das Astúrias ou da subpopulação ocidental da Cordilheira Cantábrica, onde habitam cerca de 300 indivíduos.

Durante cinco dias não foram avistados sinais (pegadas, dejectos e pêlo) da sua presença no Parque Natural de Montesinho e as redes sociais dispararam especulações e piadas sobre o paradeiro do urso-pardo. Muitos asseguraram que, ao descobrir a situação política e económica do país, e após assistir às declarações de Joe Berardo na Assembleia da República e saber dos impostos que teria de desembolsar, em suma, uma nação a fazer figura de urso, fez as malas e regressou a Espanha.

Um só urso-pardo conseguiu o impossível: despertou o interesse dos portugueses pelo interior e pôs as redes a discutir o território, as espécies ameaçadas, os problemas que afectam as colmeias, as pragas e o interior desertificado.

Eis, talvez, a única consequência positiva do abandono do interior do país há décadas, o ressurgimento de espécies animais há muito desaparecidas, incluindo grandes predadores. Espera-se que mais ursos cruzem a fronteira, mas isso não significa que não continuem em extinção. Uma espécie extinta é uma espécie sem viabilidade e com uma população diminuta, e os 300 ursos-pardos em Espanha são a prova disso.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.