Está para breve uma decisão, espera-se que final, sobre a futura infraestrutura aeroportuária para a região de Lisboa.

As alternativas em análise consistem três conceitos radicalmente diferentes: i) expansão limitada do aeroporto da Portela com a adaptação do Montijo a um aeroporto low cost, i.e., solução Portela+1; ii) construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) em Alcochete, i.e., solução NAL e; iii) adaptação e expansão do Montijo que evoluirá para um aeroporto de elevada capacidade mantendo-se a Portela como aeroporto regional, i.e., solução Montijo + Portela.

É necessária mais capacidade?

De acordo com as projeções mais recentes da Airbus e da Boeing até 2040, que já consideram os efeitos da pandemia e os custos esperados decorrentes dos compromissos climáticos do setor, estas apontam para um crescimento de passageiros de 2 a 3% ao ano em mercados como Portugal. Estes valores de crescimento, ainda que modestos, implicam crescimentos acumulados de 40% a 70% até 2040.

Ora, a Portela já se encontra atualmente congestionada nas horas de ponta e, mesmo na solução Portela+1, a capacidade adicional planeada para o aeroporto não acomoda o crescimento de passageiros esperado. Com 31 milhões de passageiros em 2019, a Portela é o aeroporto de uma só pista mais movimentado da União Europeia, a que acresce estar rodeado de uma zona urbana, tendo a sua operação elevados impactes ambientais, sobretudo ruído; e ainda a sua operação estar fortemente condicionada no período noturno.

Assim, o potencial para a carga aérea está subaproveitado e não existe, de facto, uma cidade aeroportuária nem condições para tal.

Aeroporto de capacidade elevada

Em duas das três alternativas – NAL e Montijo+Portela – é proposta a construção de um aeroporto de capacidade elevada. Um aeroporto de elevada capacidade suporta a estratégia das principais companhias aéreas que o usam como um hub, tal como a TAP na Portela.

Um hub exige elevada capacidade nas horas de ponta para permitir transferências rápidas e confortáveis. Para tal, o número de pistas é crucial; todos os hubs europeus têm várias pistas: cinco em Amsterdão; quatro em Frankfurt, Madrid e Paris; três em Copenhaga, Dublin, Estocolmo, Helsínquia e Roma; duas paralelas em Atenas, Oslo e Munique. Quase todos os passageiros desembarcam diretamente no terminal. Viagens de autocarro são raras e a evitar. Como referência, o aeroporto de Munique consegue transferir passageiros na zona Schengen em menos de 30 minutos.

Todos os aeroportos de grande capacidade construídos na União Europeia nos últimos 50 anos (Atenas, Berlim, Milão MXP, Paris CDG, Munique e Oslo) usaram o mesmo conceito: i) maximização da capacidade “lado ar”, com duas (ou mais) pistas longas, paralelas e afastadas entre si, com um terminal central; ii) menor impacte ambiental possível, com uma localização fora de zonas urbanas em áreas de baixa densidade populacional, e iii) boas acessibilidades rodoviárias e ferroviárias de elevada capacidade.

Acresce ainda que todas as grandes expansões de capacidade em aeroportos mais antigos foram realizadas de modo a se adaptarem o mais possível a este(s) conceito(s). Assim aconteceu nos aeroportos de Barcelona, Bruxelas, Budapeste, Bucareste, Dublin, Estocolmo, Frankfurt e Roma.

Portela +1

A solução Lisboa+1 é semelhante às existentes noutras regiões europeias, na qual o aeroporto principal se encontra perto do limite da capacidade (e tem tarifas aeroportuárias mais caras), acolhendo o aeroporto secundário as companhias aéreas de baixo custo (as ditas low cost) que são atraídas com tarifas mais baixas e incentivos à abertura de novas rotas.

O aeroporto do Montijo como low cost para a região de Lisboa tem limitações operacionais; terá de ser construída uma extensão da pista para acomodar aeronaves de médio curso (A320/ B737), ou seja não acomoda voos de longo curso. Até agora atraiu apenas o interesse de uma companhia aérea (Ryanair), que também já indicou que não irá abdicar dos slots nos quais já opera no aeroporto de Lisboa. Assim, não será “libertada” nenhuma capacidade na Portela e é expectável que esta volte a ficar congestionada dentro de pouco tempo.

Como o operador aeroportuário não tem autoridade para alocar tráfego entre aeroportos, as companhias aéreas só podem ser atraídas por baixas tarifas. Com apenas uma companhia aérea interessada, existe o risco de o aeroporto low cost ficar vazio e ser deficitário, dadas as baixas tarifas que irão ser praticadas, pelo menos a curto e médio prazo.

Para a TAP, o interesse num aeroporto low cost é marginal. Historicamente, a operação em dois aeroportos numa mesma cidade (split operations) não foi uma experiência bem-sucedida e não é praticada por outras companhias aéreas já que vai contra o conceito de operação de um hub, que é a de conectar o maior número de passageiros entre voos diferentes, o mais rapidamente possível.

Um aeroporto low cost tem vários benefícios importantes: i) tempo de construção/adaptação mais rápido – cerca de três anos, ii) menor custo que as outras soluções apresentadas – cerca de 600 milhões de euros, ainda assim elevado quando comparado com outros aeroportos semelhantes, e iii) disponibilização de capacidade adicional para companhias aéreas (ultra) low cost que estão ganhar quota de mercado na Europa.

Em termos de acessibilidades, o aeroporto tem um handicap já que não tem acesso a transporte público “pesado”, como comboio ou metro de superfície.

Novo Aeroporto de Lisboa – NAL

A alternativa de construir um novo (e único) aeroporto para Lisboa para substituir a Portela é a ideia original que está em discussão há mais de 50 anos. É uma arquitetura comum nos países em que a rede nacional de aeroportos é gerida em regime de monopólio, tal como em Espanha, Finlândia, Irlanda, Noruega ou Suécia, ou que a construção do aeroporto é concessionada a privados, como Atenas.

A localização proposta no Campo de Tiro de Alcochete é a que minimiza os custos de expropriação e os impactes ambientais e otimiza o conceito de aeroporto hub, maximizando a capacidade “lado ar”, com duas pistas longas, paralelas e afastadas entre si, com um terminal único que otimiza o fluxo de passageiros em transferência.

Claro que construir um novo aeroporto de raiz é caro (cerca de três mil milhões de euros) e demorado (geralmente de cinco a sete anos). A construção pode, no entanto, ser faseada com a construção de uma pista e parte do terminal. Dada a procura esperada, não haverá problemas em acomodar toda a procura da região de Lisboa, quer de passageiros, quer de carga aérea (um segmento importante, mas frequentemente esquecido) sem quaisquer restrições de capacidade ou de restrições noturnas à sua operação.

No entanto, por estar localizado relativamente longe de Lisboa e da margem norte do Tejo (a origem/destino de mais de dois terços dos passageiros da região de Lisboa), o NAL terá de ter excelentes acessibilidades rodoviárias e ferroviárias que terão ainda de ser construídas. Acontece que a construção das acessibilidades não é da responsabilidade do operador aeroportuário, mas sim do Governo que tem limitações conhecidas relativamente aos níveis de investimento que pode realizar.

Existe, todavia, um ponto importante: a ligação ferroviária de alta velocidade Lisboa-Madrid faz parte das redes europeias de transporte (tal como um novo aeroporto), o que significa que existe um compromisso estratégico do Governo com a sua realização (os prazos variam). Se se considerar que este é um investimento a ser realizado obrigatoriamente, independentemente da solução aeroportuária escolhida, então os custos das acessibilidades especificamente dedicados ao NAL baixam significativamente.

Alterando ligeiramente o traçado da rede de alta velocidade poder-se-ia criar uma estação no NAL e, igualmente, integrar a plataforma logística do Poceirão (também parte da rede transeuropeia de transportes) na cidade aeroportuária a desenvolver na envolvente.

Ao contrário das outras soluções, o NAL tem espaço suficiente para tal. Ao construir uma estação diretamente no traçado da rede de alta velocidade (e não num ramal como originalmente planeado) permite aumentar a área de influência do aeroporto até meio da Extremadura espanhola e, em parceria com as companhias aéreas, vender como bilhetes de avião percursos de curta e média distância servidos em comboio, conceito que está otimizado entre companhias aéreas e ferroviárias através dos hubs de Amsterdão, Frankfurt e Paris.

Deve ainda ser referido que fechar a Portela irá libertar uma área significativa no centro da cidade para outros usos e pode servir também para pagar a fatura do novo aeroporto.

Montijo + Portela

Esta alternativa propõe adaptar a infraestrutura do Montijo e expandi-lo para um aeroporto de elevada capacidade num ilha artificial no Tejo. Esto novo aeroporto tornar-se-ia o no hub da TAP, relegando o aeroporto de Lisboa para voos regionais (sobretudo intraeuropeus) como aeroporto citadino, à semelhança do aeroporto de London city.

Para além de um custo elevado, da mesma ordem de grandeza de um aeroporto como o NAL, a alternativa acarreta riscos de construção, ambientais e climáticos elevados. Toda a construção tem riscos, mas a construção de uma ilha artificial de dimensão significativa tem riscos acrescidos. Uma construção em aterro no rio Tejo tem, também, riscos ambientais consideráveis quer na fase de construção, quer na de operação, sobretudo de ruído na população envolvente na margem sul.

Os riscos climáticos são também muito consideráveis; existe o risco de acontecer uma situação semelhante à que ocorreu no aeroporto Osaka-Kansai, no Japão, em setembro de 2018, quando o mar galgou o molhe de proteção do aeroporto e inundou a pista e o terminal, tornando o aeroporto inoperacional durante vários dias, tendo o restabelecimento completo das operações durado mais de duas semanas.

Com o agravamento da crise climática, prevê-se que a ocorrência de fenómenos naturais extremos venha a aumentar em frequência e intensidade, o que aumenta o risco desta alternativa. Acresce ainda que a ilha artificial onde está localizado o aeroporto se tem vindo a afundar mais do que o previsto.

Por outro lado, manter a Portela operacional com uma pista mais curta, mesmo que apenas para voos regionais, não irá libertar uma área significativa para outros usos, já que as servidões aeronáuticas – as áreas dedicadas exclusivamente à proteção de atividades aeronáuticas – são particularmente exigentes. Esta alternativa representa igualmente um risco operacional significativo para a TAP, que terá de transferir o seu hub para a margem sul.

Acontece que a maior parte dos passageiros, incluindo os passageiros que voam em business, se encontram na margem norte e (sobretudo nos voos no pico da manhã, a partir das 06:00) terão certamente preferência por partir de Lisboa nas companhias aéreas que escolherem continuar a operar no aeroporto. Ora, os passageiros em business são os mais rentáveis para as companhias aéreas, e “perder” esses passageiros tem consequências financeiras importantes.

Um cenário semelhante ocorreu já com a Alitalia quando decidiu transferir o seu hub de Roma para Milão (Malpensa), situado nos arredores da cidade. O aeroporto citadino de Milão (Linate) permaneceu operacional e o preferido dos tão desejados passageiros business, que preferiram continuar a voar a partir de um aeroporto convenientemente situado perto do centro de da cidade. Em Milão, a Alitalia nunca conseguiu desenvolver um hub competitivo e viu-se forçada a “retirar” para Roma. Esta situação comprometeu a situação financeira da companhia e contribuiu para a sua falência.

Emprego

Um outro fator ao qual não é dada a devida relevância é a criação de emprego gerada pelas diferentes alternativas. Hoje em dia, um aeroporto não suporta apenas a operação de passageiros. Para além das atividades diretamente relacionadas com a aviação ­– catering, manutenção, hotéis, carga ou carga expresso ­–, um aeroporto atrai empresas e serviços que servem pessoas e empresas que necessitam da conectividade aérea. Estas empresas tendem a organizar-se nas chamadas cidades aeroportuárias.

Neste contexto, um aeroporto de grande capacidade tipo NAL, com uma cidade aeroportuária bem desenvolvida, pode criar cerca de mil empregos diretos por milhão de passageiros movimentados (no sítio aeroportuário). Por outro lado, aeroportos sem capacidade de expansão, como a Portela atualmente ou aeroportos low cost, criam dez a vinte vezes menos empregos. Um aeroporto low cost criará poucos empregos, da mesma forma que o crescimento de tráfego na congestionada Portela (16 milhões de passageiros adicionais entre 2012 e 2019) não criou 16 mil empregos diretos.

Procurei neste artigo identificar riscos e apresentar melhores práticas internacionais. Cabe ao Governo ponderar e decidir que alternativa quer para Lisboa.

O autor exerceu funções de Chefe de Projeto do Novo Aeroporto de Lisboa em Alcochete, pela Ove Arup & Partners, e exprime neste artigo a sua opinião pessoal sobre o tema.